Diante do risco de se privatizar a Eletrobras, a economista e diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, falou sobre a preocupação da descontinuidade de prestação do serviço público de energia elétrica à população, em entrevista ao ICL Notícias (sexta, 3).
Clarice iniciou explicando que, até esse momento, a operação de privatizar a Eletrobras ainda não está dada. “O que aconteceu de muito triste foi a constatação de que o TCU (Tribunal de Contas da União) é mais uma instituição que não consegue cumprir o seu papel. Ele autorizou a privatizar a Eletrobras, mesmo tendo o voto do ministro Vital do Rêgo destacando irregularidades, o erro da conta [subavaliação do valor da empresa] e a metodologia inadequada”, ressaltou.
Na fase atual, a Eletrobras está anunciando a oferta de ações que, pelo cronograma do governo, deve culminar na privatização no dia 13 de junho, envolvendo o montante de R$ 30,6 bilhões, de acordo com o prospecto protocolado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Até a próxima quarta-feira (8), há um chamado aos pequenos investidores que podem comprar as ações da empresa com ou sem o dinheiro do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), com um valor mínimo para a aplicação de R$ 200,00.
Sobre isso, a economista chama a atenção para a “estratégia do governo tão mesquinha e tão destrutora socialmente, falando em tornar a classe média parceira desse ‘golpe’ contra o próprio desenvolvimento brasileiro, que é a venda da Eletrobras. A classe média pressionada e empobrecida pensa que vai ser sócia, que vai fazer parte dos grandes sócios desse negócio, e se deixa enganar”.
Furnas aprova aporte e evita suspensão do processo para privatizar a Eletrobras
Um imbróglio, envolvendo a usina Santo Antonio, ameaçou travar a operação para privatizar a Eletrobras. A usina Santo Antonio, localizada no Rio Madeira, em Rondônia, é subsidiária de Furnas, que está no “pacote” da privatização da Eletrobras. Furnas, por sua vez, perdeu uma arbitragem e necessitou fazer um aporte bilionário na usina Santo Antonio. Diante disso, seria necessária realização de assembleia geral de debenturistas para obter aval ao aporte. “Há necessidade da aprovação dos debenturistas e, assim, deixar a situação regular para que a privatização possa acontecer”, alertou Clarice.
No entanto, neste domingo (5), decisão tomada pela juíza de plantão da Justiça do Rio de Janeiro, Isabel Teresa Pinto Coelho Diniz, suspendeu a realização da assembleia de debenturistas de Furnas, convocada para hoje (segunda, 6). Segundo apuração da Veja, a juíza entendeu que poderia haver vícios na convocação da assembleia depois que Furnas fez o aporte de R$ 681 milhões na Madeira Energia, dona da usina de Santo Antônio, antes de ter o chamado “waiver” dos debenturistas credores.
No final da manhã desta segunda-feira (6), a Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu junto ao Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro decisão favorável que derrubou a liminar [concedida no domingo,5) que havia suspendido realização da assembleia de Furnas.
À tarde, Furnas obteve aval da maioria dos credores debenturistas para conduzir um aporte de R$ 1,58 bilhão em Madeira Energia (Mesa), que controla a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, evitando a suspensão do processo de privatização da Eletrobras, cuja precificação está marcada para a quinta-feira (9).
Sem eletricidade barata não se tem desenvolvimento
“O processo para privatizar a Eletrobras é uma condenação do projeto nacional de desenvolvimento do país”, afirmou a economista durante a entrevista aos âncoras do ICL Notícias, Eduardo Moreira e Xico Sá.
Ela vê a empresa como um pilar estruturante da industrialização brasileira e do futuro do país: “privatizar a Eletrobras é condenar um projeto de futuro. Porque qualquer que seja a política industrial, qualquer que seja o ponto de vista de alavancagem, ou de incentivo à indústria, é preciso energia e a um custo barato”.
Também para a economista é essencial ter a Eletrobras e seus ativos, que são monopólios naturais, para desenvolver o projeto nacional, e lembrou que nenhum país que é soberano abre mão de suas empresas do setor elétrico. No mundo, das 50 maiores empresas de energia, cerca de 70% são estatais.
A centralização da Eletrobras é o que permite, por exemplo, a gestão inteligente e eficiente das diferentes bacias hidrográficas, com atenção às deficiências regionais, algo que se perde com a fragmentação. “Com a privatização, acaba-se com o aproveitamento eficiente dos recursos naturais, porque temos várias usinas ao longo do mesmo rio. Se a gestão não for feita de forma coordenada, a usina que está na cabeceira do rio vai primeiro encher seu reservatório e só depois liberar água para o próximo, e assim por diante. Será uma operação completamente sem otimização, só com o objetivo de aumentar a lucratividade, sem respeitar a necessidade de controle dos reservatórios”, explicou.
Outra questão que se soma ao objetivo principal do lucro, ao se privatizar a Eletrobras, é a opacidade do responsável pela empresa. “A venda das ações é feita a um fundo, mas que não se consegue identificar as pessoas que estão nesse fundo”, ressalta Clarice. Ela exemplifica com o caso do estado do Amapá que, em 2020, ficou praticamente um mês sem energia elétrica: “até hoje não sabemos o nome do responsável. Fala-se que é um fundo”.
“A privatização é um conjunto preservo. Somente a empresa estatal cumpre a função social, que é manter o preço, prover a energia em abundância e a universalização do acesso”, resumiu Clarice Ferraz.
Clarice Ferraz é economista, professora da UFRJ, com Mestrado em Energia pela EPFL; Mestrado em Administração Pública e doutorado em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Genebra e pós-Doutorado pelo Instituto de Economia da UFRJ. Também é pesquisadora Associada do Grupo de Economia de Energia do Instituto de Economia da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina.
Redação ICL Economia