A iniciativa privada poderá estabelecer programas de autocontrole sobre a própria produção agropecuária, ou seja, os produtores e a indústria do setor serão responsáveis eles próprios por cumprir as normas de defesa agropecuária determinadas pela legislação, sem a fiscalização de um agente (auditor) do governo. Este é, em resumo, o teor do projeto de lei (PL 1.293/2021), que já tramitou em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados e que agora está no Senado.
No Senado, o PL foi aprovado na Comissão de Agricultura (CRA) no último dia 23 de junho, e iria direto para sanção do presidente Jair Bolsonaro, se não fosse apresentado requerimento pelo senador Paulo Rocha (PT-PA) para que a proposta seja apreciada e debatido pelo Plenário do Senado.
O projeto, que ficou conhecido como “PL do Autocontrole”, é de autoria do governo Bolsonaro e está sendo alvo de críticas de organizações de proteção animal, ambiental, de defesa do consumidor, direitos dos trabalhadores de frigoríficos, da indústria de alimentos, direito dos pequenos produtores rurais, organizações de saúde humana e os próprios auditores fiscais agropecuários.
Na prática, o projeto estabelece que os agentes privados farão o autocontrole da organização e dos procedimentos hoje aplicados pela defesa agropecuária. Ou seja, em vez do Ministério da Agricultura, os próprios donos do frigoríficos farão como bem entender em termos de fiscalização sanitária.
Em entrevista ao ICL Notícias (segunda-feira, 4), Antonio Andrade, auditor fiscal agropecuário federal e representante dos fiscais do Ministério da Agricultura, afirmou que o PL é amplo, mas a parte mais polêmica está nas medidas de afrouxamento da fiscalização sanitária dos produtos agropecuários, em especial a carne, quando sai do campo e vai para a indústria (frigoríficos).
“PL do Autocontrole” pode liberar fiscalização permanente para carne destinada ao consumo interno
Ele explicou que atualmente a regra é que, se há abate [de animais] permanente, é necessária uma fiscalização permanente com um auditor presente na planta [frigorífico]. Mas, segundo o PL, “essa atividade poderá ser terceirizada, por meio de credenciamento. A indústria pagará o profissional [no caso, o médico veterinário] credenciado no Ministério da Agricultura, e daí pode ou não manter o auditor do governo. Isso não está claro no projeto”.
Andrade ressaltou que, hoje, os principais países produtores e exportadores de carne no mundo têm auditores presentes na planta [frigorífico]: EUA, Nova Zelância, Argentina e Austrália. Desta forma, o Brasil não poderá fazer diferente, o que significa que o PL libera da necessidade da fiscalização permanente pelo auditor federal todo o abate que é para o mercado interno, ou seja 70% da produção de carne do país.
“Então, o cidadão brasileiro vai estar pagando por um auditor fiscal federal agropecuário para fiscalizar a carne que vai para a Europa, porque o cidadão europeu exige que o auditor esteja dentro do frigorífico, e vai liberar a fiscalização para os consumidores brasileiros”, questionou o auditor fiscal agropecuário.
Andrade destacou, durante a entrevista ao ICL Notícias, o risco à saúde dos consumidores com o afrouxamento da fiscalização sanitária. “Estamos falando de antimicrobianos [substâncias naturais (antibióticos) ou sintéticas (quimioterápicos) que agem sobre microorganismos inibindo o seu crescimento ou causando a sua destruição] utilizados em animais que vão produzir alimentos para humanos. Eles podem deixar resíduos e causar resistência em humanos, como por exemplo as superbactérias”, alertou ele sobre a seriedade da questão.
Os temas tratados pelo projeto de lei são tão importantes que a própria Constituição os coloca como uma prerrogativa do Estado – e não das empresas.
As organizações críticas à medida, em manifesto de repúdio à aprovação do PL, mencionam a dificuldade de identificar e punir fraudadores em caso de adulteração e contaminação de produtos como leite, carne, azeite, bebidas em geral e outros alimentos. Há também os custos da fiscalização privada, que podem encarecer os alimentos e deverão prejudicar severamente pequenos produtores e a agricultura familiar, que terão dificuldade para pagar às empresas de fiscalização.
Ainda segundo as entidades, o PL é também um grave risco de aprofundar a crueldade contra os animais. Sem a fiscalização do poder público, os animais serão ainda mais expostos ao extremo sofrimento nos abatedouros, como documentado por organizações de defesa dos direitos dos animais.
Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias e agências