Pegou mal a notícia do empréstimo consignado para beneficiários do programa Auxílio Brasil, com juros que chegam à casa dos 80%, percentual muito mais alto do que em qualquer outra modalidade similar. Pegou tão mal que bancões como Bradesco e Itaú, que, conforme seus balanços superavitários, nunca perdem a chance de ganhar ainda mais dinheiro com empréstimos, estão pulando fora do barco.
Sancionada na semana passada, a lei que possibilita empréstimo consignado vem sendo muito criticada por especialistas devido aos seus juros exorbitantes e, também, por abrir brechas para que instituições financeiras ganhem dinheiro sobre um benefício destinado à população mais vulnerável do país. O primeiro a fazer a crítica a modalidade do empréstimo foi o economista e fundador do ICL, Eduardo Moreira, que apontou que a medida e os juros estratosféricos implicados nela aprofundam ainda mais o endividamento de quem já está muito pobre no país. À época do anúncio do empréstimo, Moreira a classificou como “maldade” que os bancos, junto com o governo, estavam prestes a fazer.
O primeiro a anunciar que não ofereceria o empréstimo foi o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior. Durante a apresentação dos resultados da instituição do segundo trimestre, com lucro de mais de R$ 7 bilhões no período, ele disse que o banco entendeu ser melhor não operar o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil. Além de Bradesco, Itaú e Santander também sinalizaram que não têm interesse.
“Não se trata de uma aposentadoria ou pensão, mas um benefício a pessoas que estão em dificuldades. Portanto, o Bradesco não vai operar nessa carteira. Estamos falando de pessoas vulneráveis. Em vez de ser uma boa operação para o banco e para o cliente, entendemos que a pessoa terá mais dificuldade quando o benefício cessar, e, por isso, preferimos não operar”, disse Lazari, durante apresentação dos resultados do Bradesco no 2º trimestre.
Ao que tudo indica, somente bancos estatais devem oferecer o empréstimo consignado para beneficiários do programa. Além deles, Pan, Safra e Facta Financeira, e correspondentes bancários como BMG e Daycoval, estão entre as instituições que já anunciaram o empréstimo, que ainda precisa ser regulamentado.
No entanto, reportagem do jornal Valor Econômico mostra que mesmo as instituições que permitem simulação do empréstimo consignado em seus sites ainda não bateram o martelo se oferecerão mesmo esse tipo de crédito, pois aguardam a regulamentação da lei. O único que afirmou a oferta foi o Agi, antigo Agibank.
Mas se engana quem pensa que as instituições financeiras, como o Bradesco, estão fazendo isso porque de repente ficaram boazinhas. O fato é que essas instituições já se deram conta de que o governo de Jair Bolsonaro é uma nau sem rumo e que a imagem do presidente, com seus arroubos frequentes contra a democracia, derrete cada vez mais.
Tanto que a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) assinou o manifesto da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) em prol da democracia. Intitulado “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, o documento se une ao movimento em defesa da democracia que tem apoio de empresários, artistas e intelectuais, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A lei do empréstimo consignado a beneficiários do Auxílio Brasil permite que as instituições ofereçam até R$ 2 mil de crédito com desconto diretamente no auxílio. No entanto, solicitante do crédito só pode comprometer até 40% do valor mensal do benefício. O prazo é limitado a 24 meses, mas não há limite para a taxa de juros cobrada.
À época do anúncio da MP (Medida Provisória) que criou o programa, o economista Eduardo Moreira fez duras críticas à iniciativa no ICL Notícias, programa que vai ao ar de segunda a sexta-feira, a partir das 8h, no YouTube. Segundo Moreira, os juros são escandalosos diante do risco quase zero que esse tipo de operação oferece, uma vez que as parcelas são descontadas diretamente no auxílio, como ocorre no empréstimo consignado para aposentados do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), por exemplo.
“Se existir um mínimo de dignidade no coração e na mente de vocês, coloquem uma regra nesse empréstimo consignado, que não deveria nem existir, que está tratando de dinheiro de pessoas que vivem em situação de miséria. Esse dinheiro não tem risco porque é o governo que paga e, portanto, a taxa de juros não pode ser superior a 15% ao ano, porque a taxa básica de juros, a Selic, é um pouco abaixo disso (13,75% ao ano)”, disse Moreira, à época.
A partir de sua fala, o senador Paulo Paim (PT-RS) elaborou um projeto de lei, que tramita no Senado, limitando a cobrança total sobre o crédito em 15%.
Empréstimo consignado: nem Auxílio Brasil tem ajudado a alavancar nome de Bolsonaro no eleitorado
Pesquisa recente da Genial/Quaest mostra que nem o Auxílio Brasil tem ajudado a melhorar as intenções de votos do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o levantamento, o efeito eleitoral do programa ainda é pequeno.
Conforme publicado na coluna da jornalista Míriam Leitão, na edição de sábado de O Globo, os dados inéditos mostram que a propensão de votar em Bolsonaro por causa da elevação do valor do Auxílio Brasil aumenta pouco entre os mais pobres e até diminui entre os que não querem nem Bolsonaro nem Lula.
Do total de entrevistados, entre os que ganham até dois salários mínimos, 25% dizem que as medidas aumentam a propensão de votar em Bolsonaro. Mas 29% dizem que não aumenta e 43% acham que nada muda.
Por outro lado, a pesquisa também mostra que outra medida eleitoreira do presidente, que reduz os impostos dos combustíveis, aumentou a propensão dos mais ricos a votarem nele.
Mas o alvo do governo, que era a conquista dos mais pobres, parece estar mais difícil. “O que o governo queria, que era conquistar a renda baixa, não parece que vai conseguir o tanto que ele precisa. Mas com o ICMS ele consegue mobilizar uma turma que, mais ou menos, já é dele”, diz o cientista político Felipe Nunes.
Na avaliação do especialista, o que pode acontecer hoje é “o eleitor do Bolsonaro ficar mais feliz com o Bolsonaro, o eleitor do Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente e líder nas pesquisas de intenção de votos) ficar na mesma, e o eleitor dos outros ter menos chance de votar no governo”. “Ele não consegue mobilizar os pobres e não consegue mobilizar os nem-nem. Tem efeito (o Auxílio Brasil), mas é pequeno”, diz Nunes.
Já quando o assunto é a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos combustíveis, 33% dos pesquisados dizem que aumenta a chance de votar em Bolsonaro, 31% dizem que diminui, e, 31%, que não faz diferença.
Essa medida, conforme mostra a pesquisa, tem mais aceitação entre a parcela mais rica da população. No recorte dos que ganham cinco salários mínimos ou mais, sai de 34% para 43% a chance de votar em Bolsonaro.
Mas a pesquisa mostra que, no geral, o eleitor não é bobo. Dos participantes, 57% acham que as medidas foram tomadas para ganhar a eleição, enquanto 38% acreditam que são uma tentativa de melhorar a vida das pessoas. No eleitorado de Lula, 78% acham que é para ganhar a eleição e 16% acreditam que é para melhorar a vida das pessoas.
Na opinião do cientista social, o efeito das medidas pode até levar a eleição para o segundo turno, mas não será suficiente para virar o jogo favoravelmente a Bolsonaro.
“Dez por cento dos eleitores que hoje estão com Lula dizem que aumenta a chance de votar em Bolsonaro. Isso é compatível com a queda de quatro pontos de Lula no geral, mas o que tem acontecido é que, ao mesmo tempo que Bolsonaro tira votos de Lula, Lula tem atraído votos dos outros candidatos”, avalia o pesquisador.
Ele ainda complementou que “voto é um recurso escasso, não é ilimitado, tem que tirar de alguém. Com o Auxílio, a chance de votar em Bolsonaro para quem já é bolsonarista é grande, mas sempre foi. Do eleitor do Lula ele tira um pouco, e é isso que a gente está vendo na aproximação deles na margem de erro. Mas o dado importante é que entre os 10% dos demais candidatos Bolsonaro mais perde que ganha”, observa.
Redação ICL Economia
Com informações das agências