Quase metade dos brasileiros (45%) precisou fazer um trabalho extra, ou seja, teve de complementar a renda com os chamados “bicos” nos últimos 12 meses. Entre os trabalhos, faxina, manutenção e marido de aluguel. Pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), em parceria com o Instituto Cidades Sustentáveis, mostra que 70,2 milhões de brasileiros fazem bicos. A pesquisa foi realizada em todas as cinco regiões do país e coletou depoimentos de 2.000 brasileiros com mais de 16 anos e de 128 municípios, entre os dias 1 e 5 de abril de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
A necessidade de complementar a renda com um bico deve-se principalmente ao aumento elevado dos alimentos da cesta básica. O trabalhador que recebe um salário mínimo líquido, ou seja, após o desconto de 7,5% da Previdência Social, compromete 59,68%% da renda, em média, para adquirir os produtos da cesta básica, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em junho.
Quando é necessário arranjar um segundo trabalho, os serviços gerais são os bicos mais comuns para milhões de brasileiros. Nos últimos 12 meses, 13% dos entrevistados fizeram algum tipo de faxina, manutenção ou até serviços de marido de aluguel —conserto ou assistência técnica, como instalação de aparelhos em casa.
Em segundo lugar no ranking do estudo, está a produção de alimentos em casa para vender, com 8%. A terceira opção mais popular para obter renda extra é anunciar roupas e outros artigos usados para a venda, como fizeram 6% dos brasileiros.
De acordo com o estudo, as regiões onde o bico é mais popular são Norte e Centro-Oeste, onde quase 48% da população fez algum tipo de bico. A pandemia teve um impacto direto na estatística de trabalhadores que fazem bico para pagar as contas.
Os pesquisadores do Ipec e do Instituto Cidades Sustentáveis notam que famílias com renda menor do que um salário mínimo e evangélicos têm maior necessidade de fazer um trabalho extra para complementar a renda.
Fazer bico é a solução para quem precisa complementar a renda e comprar alimento
Segundo a pesquisa, 75% dos brasileiros percebem aumento da pobreza e da fome. A maior dificuldade dos que responderam à pesquisa é comprar alimentos. O estudo aponta que 47% dos entrevistados têm visto ou conhecem uma pessoa com dificuldades para comprar comida, enquanto 37% perceberam o aumento da população de moradores de rua. Já 29% relataram ter observado o crescimento de ambulantes trabalhando em semáforos, e 17% disseram ter notado o aumento de barracos, favelas ou ocupações em seu município.
A percepção do avanço da pobreza e da fome é mais comum entre moradores de capitais e periferias metropolitanas, ou seja, municípios com 50 mil a 500 mil habitantes ou mais. Por outro lado, moradores de municípios com menos de 50 mil habitantes são os que menos perceberam o aumento da pobreza e da fome no Brasil.
Padre Júlio e o combate à desigualdade
A pesquisa questionou os entrevistados também sobre preconceito. Para 75% dos entrevistados, há diferença de tratamento entre pessoas negras e brancas, principalmente em shoppings, cinemas, supermercados, farmácias e outros estabelecimentos comerciais, escolas e faculdades, conforme 38%. Locais de trabalho foram lembrados por 36%, ruas e espaços públicos por 29% e transporte público por 26%.
De cada cinco entrevistados, três já ouviram falar ou já viram alguém sofrer preconceito em função de sua orientação sexual ou identidade de gênero. A maior vulnerabilidade, segundo essas pessoas, está nos espaços públicos.
“Essa questão é importante. Mas como estamos em tudo isso? Não podemos ser conhecedores neutros, que conhecemos e temos mais um dado acadêmico. Esses dados têm dramaticidade muito grande, mas tem de ter compromisso muito grande de luta, com compromisso de estar junto com nosso povo. Temos de mostrar a desigualdade e lutar contra ela no micro e no macro”, ponderou o padre Júlio Lancellotti, em debate que sucedeu ao anúncio do resultado da pesquisa, que contou com da pesquisadora e professora de Serviço Social da PUC de São Paulo, Aldaíza Sposati.
Como lembrou o religioso, que sugeriu a que a população de rua também fosse ouvida em pesquisas de opinião, o que contrapõe a desigualdade é a equidade. “E a política pública não é equânime, de dar a cada um o que cada um precisa. Em São Paulo se enxerga mais a fome, mas a população de rua não tem acesso à água potável. Vai passar no Congresso alguma política que acabe com privilégios do Judiciário, dos militares? Mas é a desigualdade que mata”.
Confira aqui os resultados da pesquisa na íntegra.
Redação ICL Economia
Com informações do UOL e da Rede Brasil Atual