Artigo: Não existe garantia que 2023 será um ano perdido. É possível crescimento com coragem na política econômica

‘Se a escolha for por um governo progressista e uma política econômica heterodoxa, é bem capaz de que alguns frutos já possam ser colhidos no primeiro ano de governo’
29 de agosto de 2022

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

Na semana passada, tivemos duas importantes sabatinas no Jornal Nacional, a de Ciro Gomes e a de Lula. Em ambos os casos, um ponto foi enfatizado pelos entrevistadores, a péssima situação fiscal em que o Brasil deve se encontrar no ano que vem devido às medidas de estímulo fiscal realizadas neste ano pelo governo Bolsonaro. O mercado financeiro também acredita no mesmo, que a situação fiscal do país deve acabar gerando um ano difícil, de baixo crescimento e inflação acima da meta estipulada. A visão clássica é de que, sem responsabilidade fiscal, é impossível ter um crescimento econômico sustentável e saudável.

A visão vem de uma longa tradição de teoria econômica ortodoxa, que pressupõe que o investimento só pode ser realizado caso ocorra uma poupança prévia, que as contas de um governo funcionam da mesma maneira que as de uma residência e que gastos públicos somente aumentam o nível da inflação no longo prazo. Tanto acreditam nisso que fizeram uma série de regras fiscais que os governos são obrigados a obedecer, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o famoso Teto de Gastos.

Porém, essa armadilha deve ser evitada caso desejemos realizar um debate econômico heterodoxo e progressista. Não podemos cair na falácia fiscalista na hora de analisar as condições econômicas futuras e nas possibilidades de política econômica de um futuro governo de esquerda a partir do próximo ano. As leis fiscais servem somente para evitar que ações mais voltadas para o desenvolvimento econômico via gasto público, elevado e distribuindo renda, não sejam feitas.

A chamada responsabilidade fiscal deve ocorrer somente no caso da escolha de que tipo de gasto deve ser realizado. Não pode ocorrer abuso sobre os gastos públicos, eles devem ser escolhidos de forma técnica e tem que possuir uma utilidade comprovada para a sociedade como um todo.

De nada adianta realizar gasto público, estimulando a demanda, se o resultado são obras de poços artesianos que não tem água, como foi feito na gestão Bolsonaro. A responsabilidade é sobre a escolha dos projetos, e não na limitação que deve existir sobre eles.

E isso justamente não se torna problema, pois os gastos públicos acabam gerando emprego e renda para além daquilo que é inicialmente gasto. Todo gasto gera um efeito multiplicador, pois o gasto de uma pessoa é a renda de outra. Isso faz com que, por exemplo, um gasto de R$ 1 com o bolsa família gere uma renda adicional de R$ 1,78 no total. Ou seja, o real gasto inicialmente se transformou em R$ 2,78 no final, gerando mais renda que o gasto inicial, e renda essa que é utilizada para compras, para pagar impostos, para serviços etc.

Então, antes de tudo, não existe garantia que o próximo ano, mesmo com os elevados gastos realizados no momento, seja um momento de grave crise fiscal. Isto só vai ocorrer se o peso das regras fiscais for de uma rigidez inviolável para o próximo presidente. Caso consiga um escape, mesmo que temporário, das regras fiscais para arrumar a casa no curto prazo, é possível sim realizar uma política econômica que busque aumentar a renda, gerar empregos e dar mais dinamismo à economia brasileira.

Aí vem a questão mais importante, no médio prazo, é necessário eliminar o teto de gastos, a regra fiscal mais cruel do atual arcabouço legal. É impossível se ter um governo que busque dinamismo de renda e distribuição desta com este arcabouço. Ambos os candidatos de esquerda já sinalizaram uma mudança neste sentido, de mudar as regras fiscais para melhor condução econômica.

Então, não existe garantia de um ano de 2023 ruim, como dizem os grandes analistas e o mercado financeiro. A única garantia disto acontecer é caso se atue da maneira que o liberalismo ortodoxo econômico age, realizando novos ajustes fiscais e contraindo ainda mais o salário do povo brasileiro. Mas, se a escolha for por um governo progressista e uma política econômica heterodoxa, é bem capaz de que alguns frutos já possam ser colhidos no primeiro ano de governo.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

 

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