Não bastassem todos os problemas impingidos pela pandemia de Covid-19, cultura a ciência e tecnologia brasileiras devem ser sacrificadas mais uma vez pelo governo de Jair Bolsonaro. Ontem (29), o presidente editou duas medidas provisórias que permitem cortar mais recursos nessas áreas, redirecionando a verba destinada a esses setores no Orçamento para o pagamento de outras despesas, incluindo emendas de parlamentares. Trata-se de mais uma medida eleitoreira do presidente, candidato à reeleição pelo PL, no esforço que vem sendo empregado por ele para tentar alavancar suas intenções de votos.
Reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que a expectativa do governo é que as duas medidas abram caminho a um desbloqueio de verbas na avaliação bimestral do Orçamento programada para 22 de setembro, ou seja, às vésperas da eleição, em 3 de outubro. Também devem ajudar a fechar as contas da proposta orçamentária para 2023, a ser enviada amanhã (31).
Com a finalidade de evitar o estouro do teto de gastos – regra que usa o limite da inflação para o avanço das despesas -, há R$ 12,7 bilhões em despesas bloqueadas. As medidas provisórias do governo permitem reduzir o bloqueio de 2022 em cerca de R$ 8 bilhões.
Vale lembrar que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Auxílio Brasil permitiu ao governo extrapolar o teto em R$ 41,25 bilhões para pagar os benefícios sociais meses antes das eleições. No entanto, há gastos com ministérios e emendas parlamentares que não estão dentro dessa regra.
Com o cinto mais apertado, o governo se viu numa encruzilhada: bloqueou quase metade dos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, no que ficou conhecido como “orçamento secreto”. Por isso, lançou mão das MPs publicadas ontem para poder pagar o acordado com a sua base, sacrificando, de outro lado, recursos para áreas importantes e que já são constantemente sacrificadas no governo atual, como a arte e a ciência.
A mesma Folha de S.Paulo mostrou em reportagem que o bloqueio gerou tanta insatisfação na base aliada do Congresso que foi preciso sinalizar à cúpula dos congressistas a liberação do dinheiro logo após as eleições.
Uma das MPs publicadas ontem (29) pelo governo Bolsonaro, com vigência imediata, limitam a R$ 5,6 bilhões a verba a ser aplicada pelo FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2022. A medida, segundo técnicos ouvidos pela reportagem da Folha de S.Paulo, deve liberar aproximadamente R$ 2 bilhões em recursos.
Já para 2023, a MP assinada por Bolsonaro limita os valores aplicados a 58% da receita do fundo prevista para o ano. Esse porcentual cresce em 10 pontos a cada ano até 2026, voltando a 100% em 2027.
Segundo a reportagem da Folha de S.Paulo, antes da medida o governo precisava reservar espaço no Orçamento para bancar despesas equivalentes a toda a receita prevista para o FNDCT. Além disso, havia um artigo, revogado pelo presidente, proibindo o contingenciamento da verba.
Uma segunda MP adiou os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), aprovados pelo Congresso como resposta à crise causada pela pandemia de Covid-19 nesses setores.
Em 2022, os gastos seriam de R$ 3,86 bilhões com a lei Paulo Gustavo e R$ 2,5 bilhões com o Perse. Em 2023, haveria um repasse de R$ 3 bilhões devido à lei Aldir Blanc.
Grosso modo, as novas medidas flexibilizam as regras, abrindo espaço para que o governo destine menos recursos do que os estipulados na lei, uma vez que eles funcionarão como teto para as transferências.
Como disse o presidente do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, Fabrício Noronha, à Folha, “numa canetada” o presidente fragilizou todo uma planejamento. “Sem obrigatoriedade do recurso, isso se torna uma disputa ano a ano”, criticou.
Além da cultura e ciência, educação também sofre com bloqueio de verbas no Orçamento para o governo bajular base congressista
Cultura, educação e ciência são áreas estratégicas para o desenvolvimento de um país, mas, no Brasil, é comum que essas áreas sejam sacrificadas para que o governo possa bajular a sua base no Congresso.
Em julho, novo bloqueio no Orçamento, às vésperas das eleições, gerou tensão entre os integrantes do governo, principalmente porque diversos ministérios reclamam da falta de recursos para a execução de seus projetos.
No mês passado, o Ministério da Economia anunciou novo bloqueio no Orçamento de 2022, no montante de R$ 6,74 bilhões, que deve atingir em cheio os recursos destinados a ministérios já carentes de verbas, como o da Educação, o qual, justamente por falta de dinheiro e, também, por má gestão, sinaliza a necessidade de caixa para manutenção de universidades.
O argumento do governo é de que o contingenciamento é necessário para bancar, principalmente, duas novas despesas obrigatórias: incentivos à cultura, com o repasse de R$ 3,9 bilhões a estados e municípios para socorrer o setor; e o piso salarial dos agentes comunitários de saúde, para o qual serão destinados R$ 2,24 bilhões. O Congresso alterou a Constituição em maio a fim de fixar um piso de dois salários mínimos para a categoria.
No início de julho, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Jair Bolsonaro às leis de apoio à cultura Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo, ambas referentes a ajuda financeira ao setor cultural.
Ao vetar as leis, Bolsonaro argumentou que as medidas tinham vício de inconstitucionalidade e contrariavam o interesse público, por não atender a disposições da Constituição, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022.
A derrubada dos vetos, no entanto, só foi possível diante da mobilização e pressão, que incluiu a participação de diversos artistas que acompanharam as negociações, e do esforço de vários parlamentares da oposição.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo