Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Os três últimos dados relativos à inflação trouxeram boas notícias para os brasileiros. Além das quedas nos preços dos combustíveis, que tem menor impacto entre as classes de renda mais baixa da população, finalmente houve queda nos preços de alguns alimentos. O arrefecimento ocorreu na prévia do IPCA (o IPCA-15), na medição do preço da cesta básica do Dieese e no IPCA de agosto, uma situação quase inédita neste ano, com queda de itens alimentícios importantes, sem nenhum produto específico com elevações relevantes.
Esse fato deve ser muito comemorado, pois a população brasileira vem sofrendo com isso há mais de um ano, vendo o preço da carne, do leite, do feijão, do arroz e de tantos outros bens se elevarem acima daquilo que sua renda pode pagar. Os brasileiros continuam tendo que fazer escolhas difíceis na hora de fazer suas compras, e nem sempre é possível abastecer o carrinho com aquilo que é necessário. Às vezes a carne tem que ser deixada de lado. Às vezes um importante vegetal não pode ser comprado nesse mês e, às vezes, até mesmo aquele item supérfluo, que se trata de um pequeno agrado para uma pessoa que ralou tanto durante a semana, terá que ser deixado de lado.
Mas uma coisa é comemorar tal fato, outra é atribuir essa queda a quem nada fez para melhorar a situação, sendo que existem mecanismos que poderiam ser utilizados. Bolsonaro e Paulo Guedes nada fizeram para isso. A única medida tomada foi para tentar controlar os combustíveis, e ainda foi feita da pior forma possível, com impactos de curto prazo e deixando governadores e prefeitos sem recursos para pagarem as contas básicas do funcionamento administrativo público. Mas para melhorar o preço dos alimentos nada foi feito. E não faltavam ferramentas para isso, mas elas desagradaram a Faria Lima, e seriam vistas com desdém pelos grandes analistas econômicos de mercado.
Uma das medidas que o governo poderia tomar, por exemplo, seria reativar os estoques reguladores de grãos no país. Essa política foi largamente usada até meados da década passada, e já no final do governo Dilma foi praticamente abandonada. Essa era uma das melhores maneiras de garantir segurança alimentar da população brasileira. O governo estocava de forma física importantes grãos de consumo interno, como arroz, feijão, milho, trigo, soja, e quando via o preço destes produtos aumentar, regulava a oferta interna usando parte destes estoques. Isso garantia que, mesmo com uma elevada parcela desta produção sendo destinada ao exterior, uma parte estaria garantida aqui dentro para o consumo das famílias. Além disso, ajudava a reduzir o preço dos produtos, uma vez que se tratava de um grande agente econômico despejando uma grande quantidade de produtos no mercado interno.
Alguns poderiam dizer que essa medida dependeria da formação de novos estoques. E de fato dependeria, mas levaria mais tempo pelo menos para voltar a armazenar esses bens pensando em problemas futuros. Durante a pandemia, o comércio internacional ficou estagnado e uma quantidade bem menor de grãos produzidos no Brasil foi vendida ao exterior. O país poderia ter aproveitado esse momento para reavivar os estoques reguladores, o que inclusive ajudaria e muito uma das parcelas mais amigas do atual mandatário, o agronegócio.
Mas a escolha não foi essa e veio a retomada econômica e, junto dela, uma alta procura por bens agrícolas. O preço se elevou demais com a retomada econômica e isso refletiu diretamente nos preços internos no Brasil. A partir daí, a inflação de alimentos começou a disparar. E para ajudar, graves problemas climáticos reduziram a produção de bens que consumimos in natura como cenoura, tomate, batata, cebola etc. A estratégia de deixar queimar uma parte significativa da floresta amazônica e do pantanal acabou gerando esse grave período de secas, em que a produção de alimentos foi gravemente afetada.
Então, num primeiro lugar, a alta do preço dos alimentos poderia ter sido pelo menos evitada ou minimizada, mas não foi isso que aconteceu. Agora o que restou ao governo foi esperar que a natureza e o destino ajudassem, que é onde chegamos agora. Em algum momento a seca iria acabar e isso rapidamente iria levar a maiores produções de tomate, cebola, batata etc. E é neste ponto que estamos. E um momento em que os preços estão voltando ao seu patamar normal, depois de uma elevação considerável. Além disso, por ironia do destino, a China foi quem mais ajudou a baixar o preço dos alimentos no país nesse momento.
Um dos maiores compradores de grãos do mundo é a economia chinesa. Com a sua desaceleração econômica, a procura por bens agrícolas e outras commodities caiu consideravelmente. Isso fez com que o preço de grãos como soja, milho e trigo apresentassem uma queda considerável nos mercados internacionais. O comportamento refletiu aqui dentro, reduzindo o preço de todos os alimentos que usam esses grãos como ingredientes, que é uma parcela significativa de nossa alimentação. Além disso, outros bens como feijão e arroz também são amplamente vendidos no exterior e, com a queda da economia global, a demanda por esses bens também caiu, levando a preços mais baixos e reduzindo o preço destes bens na prateleira do mercado.
Vemos então que o papel da dupla BolsoGuedes na queda do preço dos alimentos foi nula. A taxa de juros, que chegou a 13,75%, também não ajudou em nada a reduzir o preço do arroz e o feijão de cada dia. O que ocorreu foi uma consequência do cenário global atual e de uma melhora climática, situação essa que Bolsonaro atuou de forma a piorar cada vez mais em seu governo. Então comemorem sim, uma deflação, uma inflação de alimentos mais baixa e uma melhora, mesmo que pequena, para o trabalhador brasileiro. Mas não deem méritos a aqueles que somente atuaram para atrapalhar e nada fizeram para amenizar essa situação.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira