Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Um assunto tomou conta dos editoriais dos grandes jornais brasileiros nos últimos dias. O mais famoso deles talvez seja o intitulado “É a economia, Lula”. O ponto comum nestes editoriais estava a desconfiança sobre as atitudes econômicas de um futuro mandato, o que, segundo a visão dos autores, estaria afastando um eleitor mais de centro para a candidatura do petista. As colunas cobravam posicionamentos mais firmes e claros sobre as atitudes econômicas do futuro governo e até mesmo a sinalização de um ministro da economia, que na opinião deles, deveria ser um nome para agradar o mercado.
A verdade é que a voz que fala em nome dos editoriais é a voz do mercado financeiro. Isso soa quase como uma chantagem eleitoral, algo como “se você não colocar um liberal na economia, votamos em Bolsonaro”. E sim, é exatamente isto que está ocorrendo. Isso acaba sendo só uma desculpa, um pouco mais elaborada do que a desculpa de 2018 (“Não estou votando no Bolsonaro, estou votando no Guedes”), para votar no atual presidente e ter uma consciência um pouco mais tranquila. Ou talvez até mesmo uma imagem um pouco menos arranhada por apoiar um governo, que fez o pior possível e imaginável para a sociedade brasileira.
A grande verdade é que essa parcela da sociedade, que cobra posicionamento liberal econômico de Lula, está gostando muito do governo Bolsonaro. O único defeito do governo para eles é a própria figura do presidente, que acaba sendo um ponto desagradável. O que estas pessoas gostariam de verdade é que Bolsonaro, como na linguagem popular, soubesse usar talheres. Eles querem um bolsonarismo sem Bolsonaro, pois é isso que arranha a imagem de bom moço destas pessoas. E por isso tentam forçar Lula para isso.
O grande capital, o mercado financeiro e boa parte do empresariado não querem que as coisas mudem. A reforma trabalhista gerou uma enorme massa de desempregados dispostos a qualquer coisa para conseguir um salário mínimo, e a miséria e a fome colocou de volta as pessoas em seu devido lugar, na visão torpe dessas pessoas. Então essa parcela da sociedade está morrendo de medo de ver os atrasos sociais que ocorreram serem revertidos. E para isso cobram Lula, pois na verdade, eles querem que Lula garanta a eles que nada vai mudar em relação a isso.
Pouco importa para eles a responsabilidade fiscal, o zelo com as contas públicas, o tamanho do estado ou até mesmo reformas estruturais. Caso estes se importassem com isso, já teriam largado mão de Bolsonaro faz tempo. O gasto fiscal realizado a seis meses da eleição seria tema de todos os analistas econômicos de mercado financeiro caso fosse feito por um governo de esquerda. As frases “o país vai quebrar”, “inflação galopante a partir do próximo ano” e “descontrole fiscal” seriam ditas todos os dias, mas, um liberal, Paulo Guedes, pode fazer isso.
Então a grande verdade é que o mercado quer uma garantia de Lula que ele não vai mudar nada, não vai mexer em nada da estrutura, ou caso contrário, eles aceitam novamente Bolsonaro, que pelo menos garante que os privilégios da casta mais alta da sociedade será mantido. A questão não é a economia, e nem mesmo a falta de clareza sobre o que Lula quer fazer da economia. As diretrizes econômicas de governo estão há meses lançadas, e até já foram discutidas neste espaço.
Então todos sabem quais são as vontades de Lula sobre a atuação da equipe econômica num futuro governo. E vamos lembrar, as diretrizes econômicas raras vezes são efetivas. Elas precisam ser discutidas, às vezes precisa de uma reforma ou uma lei para serem efetivas, mas do grande montante de ideias, poucas vão para frente na verdade. E outras, que nem estavam projetadas inicialmente, acabam surgindo e virando grandes planos econômicos.
Então é impossível falar que não se sabe o que Lula pretende sobre a economia. Está tudo registrado em suas diretrizes, e não adianta olhar para o passado para culpar o governo Lula de algo que ele não foi. Nunca houve tanta responsabilidade fiscal como naquele período. Um fiscalismo, inclusive, que já critiquei em diversas oportunidades nos meus artigos acadêmicos. Mas ele ocorreu e, mesmo assim, o rótulo de governo irresponsável fiscalmente ficou eternamente gravado, graças a desonestidade de muitos destes que hoje pedem a Lula uma equipe econômica liberal.
Uma vez o PT cedeu às críticas e colocou um economista liberal, visto com bons olhos pelo mercado e um nome que foi colocado justamente para “arrumar a casa”. Isto foi em 2015 no começo do segundo governo Dilma, e o escolhido foi Joaquim Levy. O resultado? Uma grave crise econômica, que durou dois anos e acabou gerando um déficit fiscal primário que só foi revertido neste ano. Nessa armadilha, Lula não pode cair novamente.
Então, não é a economia Lula. Eles querem é uma garantia de que você vai entrar e não vai mudar nada. E fazem isso como forma de chantagem. Caso você não tenha esse compromisso, chamado de responsabilidade fiscal, mas que no caso é somente garantir que o andar de baixo não vai ter ganhos que incomodem o andar de cima, eles vão votar em Bolsonaro. A verdade é que eles querem Bolsonaro, mas tem vergonha de assumir. Então não adianta tentar converter aqueles que só tem vergonha de falar, mas que adoram o governo Bolsonaro e querem mais quatro anos da mesma situação, só que sem a figura incômoda de Bolsonaro como rosto deste governo.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira