Das muitas distorções ocasionadas pela isenção de imposto de renda sobre lucros e dividendos, uma delas traz um recorte racial. Estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP) mostra que, até mesmo entre o 1% mais rico da população, os homens negros perdem para os brancos. Nesse grupo, a alíquota efetiva do Imposto de Renda é de 8,80% para os brancos, mas sobe para 13,14% para os homens negros.
Entre as explicações para a distorção, segundo o estudo, está a natureza da renda. Entre os brancos, a maior parte dos declarantes (44,1%) é de empregadores, que podem obter parte da sua renda por meio de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas que administram. Por sua vez, boa parte dos negros declarantes (44,4%) é de empregados públicos assalariados. Nesse caso, os rendimentos sofrem incidência de imposto, com alíquotas nominais que chegam a 27,5%.
Em entrevista à reportagem da Folha de S.Paulo, um dos autores do estudo, o economista Matias Rebello Cardomingo, disse que o achado evidencia a discriminação implícita na tributação sobre a renda no Brasil. “Ao desonerar um tipo de renda como os lucros e dividendos, o grupo beneficiado é nitidamente o das pessoas brancas do topo”, frisou, enfatizando que, quem é negro, mesmo no topo da pirâmide social, não se beneficia desse tipo de isenção. “O resultado do trabalho foi exatamente conseguir explicitar um aspecto da tributação que tem como consequência imediata um prejuízo maior para os negros do que para os brancos”, complementou.
No recorte dos 9% imediatamente abaixo desse grupo na pirâmide de distribuição de renda, quase não há diferença: a incidência é de 10,64% para homens brancos e 10,69% para negros.
Para o economista, o estudo contribui para mostrar a importância de se corrigir a distorção e retomar a tributação de lucros e dividendos, que são isentos desde 1996.
Também participaram do trabalho os pesquisadores João Pedro de Freitas Gomes, Ruth Pereira di Rada e Luiza Nassif. O estudo tem como base dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) dos anos de 2017 e 2018, feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Estudo deixa claro que é preciso corrigir distorção gerada por isenção tributária de lucros e dividendos
Há várias propostas de reformas tributárias tramitando no Congresso Nacional, mas nenhuma delas propõe mexer nesse vespeiro. Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defendeu mudanças no Imposto de Renda, como a correção da tabela, a tributação de lucros e dividendos e a taxação dos mais ricos, algo que já é discutido há décadas por diferentes partidos.
Lula já disse que tinha a intenção de aproveitar a proposta de reforma que tramita no Senado como base de mudanças no sistema de tributação de consumo, ao mesmo tempo em que deve apresentar novas ideias para taxar rendimentos, substituindo a reforma do Imposto de Renda que tramita no Parlamento. Lula tem manifestado o desejo de “colocar o rico no Imposto de Renda”, em uma alusão à isenção dos dividendos ainda em vigor. Por isso, ganha força a implementação de uma medida nesse sentido durante o seu terceiro mandato.
Entre os recebedores de lucros e dividendos estão investidores, acionistas, sócios de empresas, profissionais liberais e outros prestadores de serviços PJ (pessoa jurídica). Em geral, o pagamento dessa verba é destinado a pessoas situadas nos estratos mais ricos da população.
Para se ter uma ideia do montante, em 2020 dados da Receita Federal mostram que a renda declarada por brasileiros com lucros e dividendos subiu a R$ 384,3 bilhões. Além disso, de cada R$ 100 declarados como lucros e dividendos, R$ 70 estavam nas mãos do 1% mais rico do país, ou 316.348 declarantes que teve rendimentos entre R$ 603,1 mil e R$ 2,6 bilhões no ano de 2020.
Embora os dados da Receita não contenham as informações por raça, a pesquisa conduzida pela USP mostra que a proporção de pessoas negras no 1% mais rico, de 16,9%, é muito menor do que a de pessoas brancas (83,1%), o que é por si só uma evidência da desigualdade de oportunidades no Brasil.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo