Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi orientado por aliados a reduzir as críticas ao Banco Central, ao menos em público, ontem (15) foi a vez de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltar a mirar a taxa de juros praticada no país. Em jantar com empresários promovido pela Esfera Brasil, um think tank que reúne o empresariado para pensar soluções para o Brasil, Haddad disse que a taxa de juro real (descontada a inflação) de 8% no Brasil “não tem explicação”.
“Todo mundo tá com meta de inflação de 2% a 3%, mas com juros negativos. Quem tem juros positivos, tem juros que são metade do Brasil. Oito por cento de taxa de juros real não tem explicação. Tínhamos que fortalecer mais o CMN [Conselho Monetário Nacional]”, disse Haddad.
O conselho, cujo presidente é o ministro da Fazenda, tem ainda como integrantes o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. Hoje à tarde (16), acontece a primeira reunião do CMN do ano, e Haddad já antecipou que mudanças no regime de metas de inflação não estão na pauta do encontro.
Ainda na manhã de ontem, em evento do BTG Pactual, Haddad disse que “com taxa real de juros a 8%, é difícil navegar”, e que era necessário reduzir juros para destravar investimentos no país, conforme divulgado em reportagem do jornal O Estado de S.Paulo.
Depois que o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC decidiu manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, o presidente Lula tem subido o tom nas críticas na condução da política monetária, dizendo que ela trava o crescimento do país. O petista também criticou o regime de metas de inflação e a própria autonomia do Banco Central, aprovada em outubro de 2021.
Além da taxa de juros, economistas influentes dizem não ver problemas em mudanças no regime de metas de inflação
As críticas de Lula e de parte de seus ministros tem encontrado eco entre economistas influentes, como Luiz Carlos Bresser-Pereira e André Lara Resende, que criticaram os juros. No que se refere ao regime de metas, alguns economistas do próprio mercado financeiro têm se manifestado a favor de uma eventual mudança. No encontro do BTG Pactual, do qual participou Haddad, houve manifestação de alguns dos presentes.
Entre eles, o sócio-fundador da SPX Capital, Rogério Xavier, afirmou não ver problema em mudar o regime de metas de inflação, argumentando que ela está “completamente errada”. A avaliação dele foi acompanhada pelo sócio-fundador da Verde Asset Management, Luis Stuhlberger, e pelo sócio-fundador da JGP, André Jakurski.
Xavier argumentou que a meta deste ano (3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos) foi acertada em meados de 2020, em meio à pandemia de Covid-19, em um cenário bastante diferente, e que agora ela ficou “inalcançável”. “Era um cenário diferente, visto a posteriori (a meta) está muito justa, muito ambiciosa para a gente alcançar… Então eu vou e altero. Não tem nada de errado nisso”, afirmou Xavier, na BTG Pactual CEO Conference 2023, em São Paulo. “O que adianta eu dizer que vou buscar 3,25% e fazer 6%?”, questionou.
“Se a gente tem uma reunião a cada ano, no mês de junho, para reavaliar as metas de inflação, por que é que isso é um dogma tão grande de corrigir?’, complementou.
Por fim, ele disse que uma eventual preocupação quanto à desancoragem de expectativas para a inflação não se justifica, citando que já estão desancoradas, segundo reportagem do portal G1. Ao mesmo tempo, não avalia que muda a credibilidade do Banco Central.
Stuhlberger, da Verde Asset Management, também disse que “buscar uma meta irrealista não é uma coisa boa pro Brasil no atual momento”. “Eu acho que não dá para perseguir essa meta”, frisou. Mas, antes disso, ele acredita ser mais importante definir a regra fiscal que vai substituir o teto de gastos, que limita o aumento de gastos do governo à inflação passada. A equipe econômica do governo Lula vem se debruçado no novo arcabouço fiscal, que deve ser enviado ao Congresso até abril, conforme prometido por Haddad.
No encontro da Esfera, Haddad diz que reforma tributária é fundamental para ajudar a economia
Ainda segundo a reportagem do Estadão, no encontro organizado pela Esfera Brasil, Haddad disse que “o fiscal tem que ajudar o monetário, e o monetário ajudar o fiscal. A reforma tributária é fundamental e a geopolítica favorece o Brasil. Não precisamos de espaço orçamentário para coisas que setor privado vai fazer. Eu gosto de PPP (Parceria Público-Privada), eu e Galípolo somos ‘PPPistas’. Temos que usar vantagens competitivas em energia sem a necessidade de subsídios”, disse.
Ao mencionar especificamente a reforma tributária, ele disse que o governo de Jair Bolsonaro não conseguiu aprovar a proposta no Congresso porque a medida previa a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). “O Congresso só não aprovou a tributária porque o governo anterior cismou com a CPMF. O (Guilherme) Afif já procurou o Galípolo para vender a CPMF. Quem acha que o setor de serviços vai perder na reforma está fazendo conta errada”, frisou.
Ele também comentou sobre uma possível reforma administrativa, dizendo que é “ilusório achar que a reforma administrativa trará uma significativa redução de despesas públicas”. Segundo ele, o melhor serviço prestado pelo governo é o de digitalizar os serviços públicos e fechar as torneiras de auxílios.
“Não acho que a reforma administrativa precisa ir na frente. É ilusório achar que a reforma administrativa vai ter grandes ganhos em cortes de despesas. Melhor que a reforma administrativa é digitalizar serviços, fechar torneiras de auxílios. Podemos atacar penduricalhos [de pessoal] na tributária sobre a renda, acabar com algumas isenções”, disse.
No encontro, Haddad também defendeu a manutenção da Zona Franca de Manaus, dizendo que o Fundo da Amazônia poderia ser usado para bancar parte dos subsídios.
Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo e do portal G1