O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), liderado por Carlos Fávaro (PSD), pediu ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para alterar a resolução 5.081/2023 do Conselho Monetário Nacional (CNM), que impôs restrições de acesso ao crédito rural para desmatadores.
A norma passou a vedar as operações de crédito a toda a extensão da propriedade rural que estiver sob embargo. Antes, a restrição era aplicada apenas à área do imóvel onde foi identificado o crime ambiental.
Ao Brasil de Fato, o Mapa informou que “objetivo desses ajustes é alinhar a medida ao arcabouço legal vigente, sem comprometer a sustentabilidade ambiental ou o esforço das políticas públicas para conter o desmatamento ilegal”. Para Cristiane Mazzetti, campaigner sênior de florestas do Greenpeace Brasil, o pedido do Mapa é injustificável diante das graves situações climáticas vividas pelo Brasil durante todo o ano.
“É uma tentativa absurda, quando a gente vem de um ano em que estamos vendo a conta do clima chegando para todo mundo. Foi o ano que a gente teve enchentes no Sul, a gente teve seca extrema novamente no Norte, incêndios em vários lugares do Brasil que, um ano muito seco. E nesse contexto, ainda há quem esteja faltando por retrocesso, quem esteja atuando para defender criminosos ambientais”, afirma.
Para ela, a própria legislação brasileira já possui mecanismos institucionais para a suspensão de embargos ambientais, desde que as irregularidades sejam corrigidas. “Quem comete crime ambiental não tem que acessar recursos do crédito rural”, defende. “Se a pessoa tem um embargo na sua propriedade em decorrência de um crime ambiental, em decorrência no desmatamento ilegal, ela deve procurar fazer a adequação, fazer a recuperação do dano e então obter o desembargo da área e poder acessar financiamento”, explica.
O Mapa pede à Fazenda que as restrições impostas pela resolução do CMN se limitem ao polígono embargado e que a norma não seja aplicada aos proprietários que realizaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para corrigir a irregularidade. A pasta também pede que resolução do CMN não se aplique a áreas sobrepostas a florestas públicas não destinadas, ou seja, aquelas que não tiveram nenhum tipo de titulação, seja como imóvel privado, reserva indígena ou área de conservação.
A representante do Greenpeace considera o pedido um “retrocesso” que pode beneficiar os grileiros de terras no Brasil. “Eles [o Mapa] querem afrouxar e flexibilizar essa exceção para imóveis que têm sobreposição com florestas públicas não destinadas. Com isso, eles podem estar facilitando o direcionamento de recursos do crédito rural, que conta com recursos de orçamento público, que conta com taxa de juros subsidiadas pelo governo, para quem está grilando terra”, alerta, indicando ainda que a destinação das terras é uma das medidas indicadas pelo movimento ambientalista para garantir a proteção das florestas públicas.
De onde vem a pressão?
Em julho de 2024, a Comissão de Agricultura do Senado Federal aprovou um pedido de informações ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a resolução 5.081/2023 do CNM. Na ocasião, o senador bolsonarista Marcos Rogério (PL-RO), autor do requerimento, afirmou que a resolução “incomoda” o setor produtivo e que era “preciso destravar o financiamento dos produtores rurais do país”, ignorando, portanto, que se tratava de uma medida de combate ao desmatamento e aos incêndios criminosos.
Já a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) encampou uma campanha contra a resolução do CMN. Em uma publicação do dia 27 de setembro de 2024, a associação critica outra norma do governo federal, o Decreto 12.189, de 2024, que estabeleceu multa de R$ 10 mil por hectare de áreas de vegetação nativa incendiadas e de R$ 5 mil por hectare em florestas cultivadas. O decreto também é alvo de articulação no Congresso de parlamentares que pretendem derrubá-lo, como informou reportagem do Brasil de Fato. Segundo o comunicado da Aprosoja, a medida, somada à resolução do CMN que veda a concessão de crédito rural para propriedades sob embargo ambiental, “provoca efeitos totalmente nefastos à economia local em diversas regiões produtivas e são, na prática, muito pouco preventivas e educativas”.
Para Mazzetti, tanto o decreto Executivo quando a resolução do CMN são instrumentos fundamentais para desincentivar as práticas que causam danos à natureza porque mexem no bolso de quem comete crimes ambientais. “Tem duas maneiras de fazer isso: aumentar a punição, fazer com que, de fato, as pessoas que cometem crimes ambientais sejam punidas. E também limitar o acesso ao crédito rural, porque hoje ainda, o financiamento é muito importante para agricultura brasileira, para agropecuária brasileira”, afirma.
Segundo ela, as medidas atendem ao objetivo do governo de zerar o desmatamento até 2030, além de estarem de acordo com os compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como o Acordo de Paris e com o Marco Global da Biodiversidade, quer será tema da 10ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica de 2024, que acontece entre os dias 21 de outubro a 1º de novembro de 2024 em Cali, na Colômbia.
A Aprosoja acusa a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda de fazer uma “atuação ideológica” e faz críticas ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). “Enquanto alguns setores do governo reconhecem que é preciso dialogar e articular ações para enfrentar os desafios atuais, outros, capitaneados pelo Ministério do Meio Ambiente, buscam implementar uma legislação que só existe em sua cabeça, desprezando o papel do Legislativo, a Constituição Federal e a importância do setor agropecuário para a segurança alimentar da população e a economia do país”, afirma o texto.
Na última sexta-feira (11), a Aprosoja fez uma nova publicação, em que comemora o pedido do Ministério da Agricultura de ajustes na resolução do CMN. Para Mazzetti, a posição reflete certa ignorância de alguns poucos produtores brasileiros em relação aos impactos que a crise climática, agravada por incêndios e desmatamentos de florestas, tem sobre a produção agropecuária.
“Eles [os representantes do agronegócio] vão tomando fôlego para ir cada vez mais acabando com a legislação ambiental brasileira. Então esse é o objetivo. Sem se dar conta de que a própria atividade produtiva é dependente do meio ambiente, é dependente das florestas, é dependente do regime de chuva que acontece por conta das florestas”, avalia.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente, sem retorno. O Ministério da Fazenda afirmou que não irá se manifestar sobre o pedido do Mapa.
Enquanto isso, no Congresso
Dois projetos de leis que buscam endurecer as penas para crimes ambientais tramitam na Câmara dos Deputados. No contexto da crise de queimadas pelo Brasil entre os meses de agosto e setembro, o governo decidiu desengavetar o PL 10457, de 2018, que trata do aumento de penas para crimes ambientais. De autoria do senador Davi Alcolumbre (União-AP), o texto já foi aprovado pelo Senado e atualmente se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, sob relatoria do deputado Patrus Ananias (PT-MG).
Em reunião realizada na terça-feira (15), no Palácio do Planalto, o governo anunciou que haverá uma atualização do projeto, a partir de um levantamento de todos os projetos de lei em tramitação no Congresso sobre a questão ambiental. Procurada pela reportagem, a assessoria do deputado Patrus Ananias informou que o texto ainda não foi protocolado na Câmara. Já Ministério das Relações Internacionais (MRI) não informou quando isso será feito.
Por outro lado, na última quarta-feira (16), foi aprovado um pedido de urgência para a votação do PL 3339, de 2024, do deputado Gervásio Maia (PSB-PB), que aumenta a pena para incêndios florestais, que hoje é de dois a quatro anos de prisão, além do pagamento de multa, para três a seis anos e multa. O projeto, apoiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda estabelece agravantes para os crimes ambientais e, na linha da resolução 5.081/2023 do CNM, veda o recebimento de recursos públicos, mesmo na forma de créditos ou subsídios, para os autores de queimadas ilegais.
Por outro lado, tramitam no Congresso Nacional uma série de projetos que visam reduzir o controle ambiental e flexibilizar as normas relacionadas ao meio ambiente no Brasil.
Alertas
Segundo relatórios do Monitor do Fogo, da plataforma MapBiomas, os incêndios consumiram uma área de 22,38 milhões de hectares de terra, o equivalente ao estado de Roraima, entre janeiro e setembro deste ano.
Outro relatório do MapBiomas, divulgado em agosto, mostra que o Brasil perdeu um terço de sua vegetação nativa, desde a chegada dos colonizadores portugueses, em 1500. Até 1985, a perda de áreas naturais somava 20% do território nacional. Metade do total, ou cerca de 55 milhões de hectares perdidos, ocorreu na Amazônia que, segundo cientistas, está a apenas um ponto percentual do chamado “ponto de não retorno”, quando a floresta já não terá capacidade de se autorregenerar devido ao nível de degradação.
Do Brasil de Fato