Nem mesmo o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado no segundo turno, foi capaz de acabar de vez com os atos antidemocráticos de caminhoneiros apoiadores do mandatário. Desde a última segunda-feira (31), um dia depois do pleito, grupos pequenos de motoristas de caminhão bolsonaristas bloqueiam estradas e já ameaçam o abastecimento do país. Nesta manhã de quinta-feira (3), o Brasil continuava com 86 pontos de interdição total ou parcial, conforme balanço da PRF (Polícia Rodoviária Federal), cuja atuação no caso tem sido motivo de críticas, devido à conivência de alguns agentes com os manifestantes.
Somente na terça-feira (1º), o presidente fez seu primeiro pronunciamento após o resultado das eleições, de apenas dois minutos, no qual não assumiu abertamente ter sido derrotado nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito para seu terceiro mandato como presidente do Brasil.
Na ocasião, Bolsonaro fez um pedido bastante ambíguo aos manifestantes, para que desbloqueassem as estradas. Ontem (2), no feriado de Finados, o presidente usou as redes sociais para pedir aos manifestantes que não impedissem o direito de ir e vir das pessoas e o risco de afetar a economia do país. “Desobstrua as rodovias. Isso aí não faz parte, no meu entender, dessas manifestações legítimas. Não vamos perder essa nossa legitimidade”, afirmou, em mensagem de vídeo.
Apesar do apelo, os apoiadores permaneciam bloqueando as estradas em 11 Estados, sendo Santa Catarina o mais afetado, com 30 ocorrências. O total de manifestações desfeitas pela PRF, segundo dados oficiais, chegou a 834 desde domingo. Em São Paulo, todas as vias federais e estaduais foram liberadas.
De acordo com dados da PRF, já foram aplicadas 1.992 multas a caminhoneiros participantes dos atos antidemocráticos, que pedem intervenção militar com base no artigo 142 da Constituição Federal. O balanço mostra que o valor ultrapassava R$ 18 milhões até ontem. As multas variam de R$ 5.000 a R$ 17 mil.
Vale lembrar que o referido artigo citado por manifestantes bolsonaristas não libera a intervenção militar. Em junho de 2020, a Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados emitiu parecer esclarecendo que “não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”.
O parecer deixa claro que o artigo 142 diz que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Entidades já veem ameaça de colapso logístico devido aos atos antidemocráticos
O modal rodoviário é o principal sistema logístico do Brasil. Pelas estradas e rodovias brasileiras passam mais de 60% de todas as cargas movimentadas em solo nacional. Por essa razão, ainda que os apoiadores do presidente sejam um grupo pequeno, mas barulhento, os prejuízos à economia brasileira já começam a ser sentidos.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, André Prado, vice-presidente de operadores e serviços logísticos da Abralog (Associação Brasileira de Logística), disse que os atos prejudicam um momento considerado bom para o setor. “Estamos no momento de três grandes eventos, a Black Friday e a Copa do Mundo, em novembro, e o Natal. Se houver um colapso no abastecimento e os estoques estiverem baixos, a falta de mercadorias pode acontecer em prazo curtíssimo e afetar esses três eventos”, disse Prado, que também é presidente da BBM Logística e membro do conselho deliberativo da Abol (Associação Brasileira de Operadores Logísticos).
Os mais prejudicados, segundo ele, serão os transportadores que atuam no abastecimento direto de lojas e shoppings, pois foram eles os que mais sentiram os efeitos da paralisação das atividades econômicas devido à pandemia de Covid-19.
“Primeiro houve a recessão, depois duas ondas de Covid, e por último a Guerra da Ucrânia, com grande impacto do preço do combustível, diminuindo em grande parte as margens de lucros desses transportadores”, comentou, complementando: “Existe um risco para o setor com mais esse impacto, depois de um período muito difícil, em um mês que todo mundo esperava que iria ser bom.”
Ainda, empresas do setor de logística podem ter dificuldade para continuar suas atividades e ter que demitir pessoas. “É difícil ser preciso, pois exigiria analisar cada empresa, mas que o prolongamento dessa situação pode provocar a quebra de empresas no país, isso é iminente”, pontuou à Folha.
Prado destaca, porém, que o risco da paralisação do transporte é generalizado e pessoas que vivem em grandes centros urbanos podem sentir rapidamente os efeitos do desabastecimento. As atividades mais afetadas, na visão dele, são aquelas que dependem de produtos com período de validade muito baixo, além de empresas com abastecimento diário, que podem parar sua produção, como a indústria automotiva.
Ontem, além dos protestos nas estradas, milhares de apoiadores do presidente se reuniram em frente a quartéis e sedes militares pedindo intervenção militar.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, que preside o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), já havia determinado a remoção no início da semana dos atos antidemocráticos nas estradas. Mas governadores também tiveram de autorizar o uso de força policial para dissipar as manifestações diante da persistência dos manifestantes nas estradas.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e Folha de S.Paulo