Dos mais de 11 milhões de crianças e adolescentes de 7 a 16 anos que em 2005 eram beneficiários do programa Bolsa Família, ao menos 64% superaram a condição de vulnerabilidade socioeconômica 14 anos depois. E se tornaram adultos que, em 2019, não necessitavam mais do programa de transferência de renda atrelado a outras ações sociais. É que o que revela o estudo “Mobilidade Social no Brasil: uma análise da primeira geração de beneficiários do Programa Bolsa Família”, realizado pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), em parceria com o instituto de pesquisa Oppen Social, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Universidade Bocconi de Milão, na Itália.
De acordo com a pesquisa, apenas 20% dos dependentes ainda estavam no programa como membro de uma família que recebe o benefício ou titular. Já os 64%, além de deixarem o Bolsa Família, também não estavam mais inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), que reúne dados de pessoas em situação de vulnerabilidade.
“Ou seja, representa uma alta taxa de mobilidade, interpretando a saída do CadÚnico como o indíviduo saindo daquele ‘pool’ de pessoas necessitadas de algum programa de transferência de renda”, destacou o professor Valdemar Neto, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV, um dos autores do estudo. Neto apresentou o dado nesta terça-feira (26) em um seminário realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que apresentou uma série de novos estudos sobre o Bolsa Família de instituiçnoes como Banco Mundial e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Acesso ao emprego no âmbito do Bolsa Família
Durante o evento, o professor da FGV também observou que o programa federal, criado em 2003, ainda no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também teve impactos no mercado formal de trabalho. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores investigaram como estavam as 11.628 milhões de crianças na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2015 a 2019. E constataram que 44,74% dessas pessoas acessaram o mercado formal de trabalho ao menos uma vez no período.
Desse total, até 14% foram encontrados ao longo de toda essa série na RAIS. “Estar na RAIS por um período considerável de cinco anos, e nota-se que estamos falando de jovens, mostra que houve uma mobilidade e uma mobilidade relevante, principalmente para essas pessoas em condição de vulnerabilidade. E tenho certeza que isso impactou substancialmente a condição de vida delas”, destacou o pesquisador.
A barreira da desigualdade
Neto ponderou, contudo, que os resultados também dão novas diretrizes para o aprimoramento do programa. A pesquisa também aponta algumas contradições que revelam outras desigualdades pelo país. Por exemplo, a taxa de saída do Bolsa Família é maior para brancos e homens. Assim como aquelas crianças que tinham como titular ou responsável com maior nível de escolaridade. Na região Sul, a saída do CadÚnico fica em torno de 74%, ante o Nordeste, que registra 54%.
Com relação ao emprego, ele é mais permanente e visível no Sudeste (34,3%) e no Sul (38,2%) do que no Norte (23%). O estudo também comparou os “filhos” da primeira geração do Bolsa Família com aqueles da mesma faixa etária que não receberam o benefício. Os dados mostram que os dependentes são indivíduos com proporção maior de pessoas com ensino fundamental, mas menor nível no ensino superior. Na área trabalhista, o emprego de menor qualidade concentra-se entre os que recebiam o auxílio em 2005. Diferentemente do que ocorre com aqueles que não beneficiários, que têm maior acesso também às empresas de maior porte.
“Precisamos qualificar um pouco mais. Ao invés de pensar o Brasil como milhões de pessoas dependentes do programa, na prática há um resultado no Norte e Nordeste, diferente do Sul e do Sudeste. E no nordeste, em particular, a informalidade é mais alta”, observou o professor e pesquisador.