Bolsa Família completa 20 anos e se mantém como programa que fortalece o acesso das famílias vulneráveis a direitos básicos

A maioria dos beneficiários encontra a "porta de saída", como os dados indicam: 64% dos beneficiários dependentes de 7 a 16 anos do programa Bolsa Família em 2005 não se encontravam mais no Cadastro Único 14 anos depois, em 2019. Naquele ano, essas pessoas tinham entre 21 e 30 anos
12 de setembro de 2023

O Bolsa Família, que faz parte da política social brasileira, é reconhecido internacionalmente por já ter tirado milhões de famílias da fome, e, de fato, é um programa que faz a diferença na vida das famílias em situação de vulnerabilidade.  Isso porque, além de garantir renda básica para as pessoas em situação de pobreza, o Bolsa Família busca integrar políticas públicas, fortalecendo o acesso das famílias a direitos básicos como saúde, educação e assistência social.

Neste ano, o programa completa 20 anos. Iniciado em 2003 no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa, à época, reuniu num só benefício quatro programas de transferência de renda do governo FHC (Bolsa Escola, Vale Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação). Inicialmente, o programa previa um benefício básico de R$ 50 para famílias com renda por pessoa de até R$ 50 e um benefício variável de R$ 15 (também até um limite de R$ 45) para famílias com crianças com renda per capita até R$ 100.

Reportagem da BBC Brasil, publicada nesta segunda (11), demonstra a dimensão do Bolsa Família, nestes 20 anos, no resgaste à dignidade e à cidadania com ações para a superação da pobreza e transformação social, que incluem esporte, ciência e trabalho.

Uma das críticas feitas ao Bolsa Família é de que ele criaria dependência para as famílias beneficiárias, o que não se sustenta na prática. Isso porque a maioria dos beneficiários encontrou a “porta de saída”, como os dados indicam: 64% dos beneficiários dependentes de 7 a 16 anos do programa Bolsa Família em 2005 não se encontravam mais no Cadastro Único 14 anos depois, em 2019. Naquele ano, essas pessoas tinham entre 21 e 30 anos.

Da parcela que permanecia no Cadastro Único (registro do governo das famílias de baixa renda do país), 20% continuavam recebendo o Bolsa Família no início da vida adulta, enquanto outros 14% constavam do cadastro, mas não recebiam o benefício – ou seja, conjunturalmente estavam acima da “linha de pobreza”, mas ainda sob risco de voltar a ela a qualquer momento.

Os dados também mostram que 45% desses jovens acessaram o mercado de trabalho formal pelo menos uma vez entre 2015 e 2019, com esse acesso sendo mais frequente entre homens (51%) do que mulheres (39%) e entre brancos (55%) do que negros (45%) ou indígenas (31%).

A BBC entrevistou o diretor-presidente do IMDS, Paulo Tafner, que explica que “a taxa de saída do Cadastro Único nos leva a entender que as condicionalidades do programa surtiram efeito, ou seja, a manutenção da criança na escola e os cuidados com sua saúde permitiram que essas crianças acumulassem capital humano que lhes garantisse um emprego formal que lhes tirasse da pobreza, embora um choque como a pandemia possa jogá-los novamente nessa condição”.

Ainda de acordo com Tafner, há determinantes que facilitam que as crianças beneficiárias consigam alcançar um emprego formal com uma renda suficiente para tirá-las da pobreza na vida adulta, como as condições locais de onde estão essas crianças. Nos municípios onde há melhor infraestrutura – com equipamentos públicos como praças, bibliotecas, centros de saúde – a probabilidade de sair da pobreza é maior.

Outra determinante são as condições familiares. Por exemplo, nas famílias chefiadas por mulheres sem a presença masculina, o desempenho é pior em relação aos filhos de famílias com dois adultos. Isso acontece porque as mães sozinhas têm uma renda mais baixa e maior dificuldade de conseguir empregos que garantam a elas uma autonomia e permita-lhes investir nos filhos.

Ainda segundo Tafner, “o Bolsa Família em si tem um mérito de aliviar a pobreza no curto prazo, mas ele sozinho não é suficiente para tirar a criança do ciclo da pobreza, são necessárias outras políticas públicas.”

Programa Bolsa Família se aperfeiçoa no atual governo

Aliás, a volta de pessoas ao Bolsa Família na vida adulta também é alvo de críticas. No entanto,  Laura Müller Machado, professora do Insper e ex-secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, também ouvida pela BBC, explica que voltar ao programa na vida adulta num momento de desemprego não denota um “fracasso” do auxílio. “Sempre vai ser necessário um programa de assistência de renda focalizado para quem mais precisa, é normal as pessoas precisarem [do benefício] em caráter temporário ao longo da vida”, argumenta.

A professora lembra ainda que o valor de R$ 175 bilhões atualmente destinado ao programa é sem precedentes na história, vindo de um orçamento que antes era de cerca de R$ 30 bilhões. “Agora, em diversos outros aspectos, eu acho que andamos para trás”, avalia a pesquisadora, sobre o novo desenho do programa após seu relançamento, depois do breve hiato em que a transferência condicionada de renda tornou-se “Auxílio Brasil” sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Machado avalia que, ao determinar uma transferência de R$ 600 para todos, sem considerar o que a família já recebe através do trabalho, o Bolsa Família atualmente tem um resultado desigual para as famílias.  Além disso, com a faixa de corte de renda de R$ 218 por pessoa para ser elegível ao programa, uma família que recebe R$ 216 por pessoa tem direito ao benefício de R$ 600, mas uma que recebe R$ 219 não teria direito a nada – outro fator de desigualdade.

Uma mudança já foi feita na nova versão do Bolsa Família com a introdução da chamada Regra de Proteção, que estabelece que, mesmo elevando a renda a partir da conquista de um emprego, ou pelo empreendedorismo, a família beneficiária não precise deixar imediatamente o programa.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, em julho deste ano, por exemplo, das 20,9 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família, 2,18 milhões estavam na Regra de Proteção.

Em março, o Governo Federal relançou o Bolsa Família com o valor mínimo de R$ 600 e o adicional de R$ 150 para crianças de até seis anos. Em junho, os benefícios variáveis de R$ 50 para gestantes, crianças e adolescentes de sete a 18 anos e o per capita de R$ 142 foram implementados. O resultado foi o maior tíquete médio da história do programa: R$ 705,4.

A nova estrutura do Bolsa Família conta com:

  • Cada família recebe, no mínimo, R$ 600;
  • Benefício Primeira Infância (0 a 6 anos): R$ 150 por criança;
  • Benefício Variável Familiar: R$ 50 para gestantes, crianças e adolescentes (7 a 18 anos);
  • As famílias beneficiárias devem cumprir compromissos nas áreas de saúde e de educação para reforçar o acesso aos direitos sociais básicos;
  • Acompanhamento pré-natal;
  • Acompanhamento do calendário de vacinação;
  • Acompanhamento do estado nutricional das crianças menores de sete anos;
  • Para as crianças de quatro a cinco anos, frequência escolar mínima de 60% e 75% para os beneficiários de seis a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica;
  • Ao matricular a criança na escola e ao vaciná-la no posto de saúde, é preciso informar que a família é beneficiária do Programa Bolsa Família;
  • Regra de proteção: Garante que, mesmo conseguindo um emprego e melhorando a renda, a família possa permanecer no programa por até dois anos, desde que cada integrante receba o equivalente a até meio salário mínimo (R$ 660).

Redação ICL Economia
Com informações da BBC Brasil e Ministério de Desenvolvimento Social

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