Principal cartão de visitas do governo Lula, o Bolsa Família de R$ 600 deve tirar 10,7 milhões de pessoas da pobreza em 2023, o que corresponde a uma redução de quase 20%, um recorde histórico para o programa que existe há duas décadas. Por outro lado, dos 45 milhões de brasileiros que ainda permanecerão nesse patamar, 32,5 milhões – ou 71% do total – são negros, o que demonstra que a desigualdade no país, até mesmo em iniciativas como essa, permanece.
Os dados são de estudo inédito do Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo), realizado a pedido da BBC News Brasil.
Conforme o estudo, três em cada quatro brasileiros na pobreza ainda serão negros este ano, comparado a uma participação de 56% de pretos e pardos no total da população, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Na elaboração do estudo, os pesquisadores calcularam os impactos da política social nas taxas de pobreza e extrema pobreza ao longo das duas décadas de existência do programa – de 2003 a 2023. Para isso, consideram as linhas de pobreza e extrema pobreza do Banco Mundial, utilizadas também pelo IBGE: US$ 5,50 e US$ 1,90 por dia, respectivamente.
Considerando a PPC (Paridade de Poder de Compra) entre as duas moedas e descontando a inflação medida pelo IPCA (índice de inflação oficial do país), para junho de 2023, esses valores são equivalentes a R$ 536 mensais por pessoa para pobreza e R$ 185 para extrema pobreza, segundo os economistas.
Em média, o Bolsa Família reduziu a taxa de pobreza em apenas 0,66 ponto percentual (p.p.) por ano entre 2003 e 2015 e em 0,89 entre 2012 e 2019, segundo o estudo.
Em comparação, o Auxílio Emergencial, o Auxílio Brasil e o novo Bolsa Família – todos programas com valores de transferência mais altos – impactaram a redução da pobreza respectivamente em 4,98 p.p. (para a média dos anos 2020 e 2021), 3,58 p.p. (em 2022) e até 5,04 p.p. em 2023.
“O Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil retiraram, em média, 9,9 milhões de pessoas da pobreza por ano de 2020 a 2022 e o novo Bolsa Família tem o potencial de retirar 10,7 milhões de pessoas da pobreza em 2023, em contraste com 1,8 milhão de pessoas por ano resgatadas dessa situação pelo Bolsa Família entre 2012 e 2019, em média”, destacaram os economistas.
Apesar da importância, Bolsa Família não consegue, sozinho, debelar desigualdade estrutural no país
O Bolsa Família completa 20 anos neste mês de outubro próximo e, apesar de sua importância histórica na redução das desigualdades sociais e econômicas no Brasil, sozinha, a iniciativa não faz milagres.
Na avaliação dos pesquisadores, os dados do estudo demonstram os limites do programa social, pois o novo Bolsa Família não consegue “enfrentar todos os obstáculos estruturais a uma maior equidade e inclusão social”.
“Quando você tem uma população que sofre com certas desigualdades que são questões sociais históricas, no momento que você trata essa população de forma igual, do ponto de vista de políticas públicas, você está dando um tratamento desigual”, pontuou Luiza Nassif-Pires, diretora do Made-USP e uma das autoras do estudo, ao lado de Amanda Resende, João Pedro Freitas e Gustavo Serra.
Para debelar essas desigualdades, a economista recomenda ações mais focadas nessa população, como as políticas afirmativas para ampliar o acesso dessas pessoas à educação, mas, principalmente, combater o racismo da sociedade, com medidas para reparar a questão histórica pela escravidão.
Em relação ao resultado modesto do programa na redução da pobreza até 2019, os autores observam que parte do resultado se deve às linhas de pobreza escolhidas no levantamento.
Outros estudos que avaliaram esse mesmo efeito no passado e apontaram resultados ligeiramente melhores usaram linhas de pobreza mais baixas, segundo ele.
Além disso, o baixo valor pago pelo Bolsa Família logo em seu início também limitou durante anos que o programa tivesse um impacto maior em reduzir as taxas de pobreza.
“Ele ganha ímpeto nos últimos anos, com o Auxílio Emergencial e sobretudo com o novo Bolsa Família, que tem um efeito muito grande, de uma redução quase histórica da taxa de pobreza graças a ele”, destacaram.
A economista também apontou que outros fatores contribuíram para a redução da pobreza nesses 20 anos, como o crescimento da economia e do emprego até 2014, os aumentos do salário mínimo acima da inflação e o próprio efeito multiplicador do programa de transferência de renda na economia.
Sem o novo Bolsa Família, 56 milhões viveriam na pobreza
Os pesquisadores estimam que 82 milhões (47%) de brasileiros viviam na pobreza em 2003 e quase 25 milhões (14%) na extrema pobreza. Este ano, esses números devem ser reduzidos a 45 milhões (21%) e 3 milhões (1,4%), respectivamente.
Sem o novo Bolsa Família, seriam 56 milhões na pobreza (26%) e quase 18 milhões (8,3%) na extrema pobreza este ano, calculam os economistas.
“Era um programa que representava um gasto pequeno em termos de percentual do PIB [Produto Interno Bruto] e com um benefício de valor muito baixo nos seus primeiros anos, então não tinha como ter um efeito muito grande, mas combinado a outras políticas, conseguimos uma saída de pessoas da pobreza”, disse a economista Luiza Nassif-Pires.
Para os pesquisadores do Made-USP, o aumento do valor e redesenho do Bolsa Família foram passos importantes na melhoria do programa. Mas é preciso mais, sobretudo para atender à demanda dos grupos mais atingidos pela vulnerabilidade financeira: as mulheres e os negros.
No longo prazo, Bolsa Família fez com que 64% das crianças atendidas superassem a condição de vulnerabilidade socioeconômica
Dos mais de 11 milhões de crianças e adolescentes de 7 a 16 anos que em 2005 eram beneficiários do programa Bolsa Família, ao menos 64% superaram a condição de vulnerabilidade socioeconômica 14 anos depois. E se tornaram adultos que, em 2019, não necessitavam mais do programa de transferência de renda atrelado a outras ações sociais. É que o que revela o estudo “Mobilidade Social no Brasil: uma análise da primeira geração de beneficiários do Programa Bolsa Família”, realizado pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), em parceria com o instituto de pesquisa Oppen Social, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Universidade Bocconi de Milão, na Itália.
De acordo com a pesquisa, apenas 20% dos dependentes ainda estavam no programa como membro de uma família que recebe o benefício ou titular. Já os 64%, além de deixarem o Bolsa Família, também não estavam mais inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), que reúne dados de pessoas em situação de vulnerabilidade.
“Ou seja, representa uma alta taxa de mobilidade, interpretando a saída do CadÚnico como o indíviduo saindo daquele ‘pool’ de pessoas necessitadas de algum programa de transferência de renda”, destacou o professor Valdemar Neto, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV, um dos autores do estudo. Neto apresentou o dado nesta terça-feira (26) em um seminário realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que apresentou uma série de novos estudos sobre o Bolsa Família de instituiçnoes como Banco Mundial e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Redação ICL Economia
Com informações do site G1. Fonte: BBC