O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez inúmeras tentativas para tentar esconder o escândalo recentemente revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo envolvendo as joias no valor de R$ 16,5 milhões, que foram presenteadas à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, pelo governo ditatorial da Arábia Saudita. A novela das joias para Michelle envolve vários capítulos e algumas personagens que jogam por terra o discurso de honestidade do ex-mandatário do país.
O governo Bolsonaro fez de tudo para trazer o mimo à ex-primeira-dama ilegalmente ao Brasil, mas a fortuna em joias foi confiscada por um auditor-fiscal da Receita Federal na chegada ao aeroporto. Segundo informações do portal de notícias G1, o ex-presidente nomeou o ex-chefe da Receita Federal à época, Julio Cesar Vieira Gomes, como adido da Receita Federal em Paris no dia 30 de dezembro de 2022, um dia depois da ida de um auxiliar do presidente até o Aeroporto de Guarulhos (SP) para tentar recuperar as joias apreendidas pelos fiscais do órgão no aeroporto.
As joias estavam dentro de um cavalinho entregue ao então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que representou o então presidente Bolsonaro em viagem à Arábia Saudita, em 2021. O cavalinho foi trazido na mochila de um assessor da comitiva oficial, cujo conteúdo foi detectado pelo raio x do aeroporto.
A nomeação do ex-chefe da Receita foi assinada pelo ex-vice-presidente e agora senador, Hamilton Mourão, que estava em exercício na Presidência, pois Bolsonaro já havia fugido para os Estados Unidos, com despesas pagas com dinheiro público, para não entregar a faixa presidencial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O posto foi criado em 26 de dezembro e o despacho foi publicado em seção extra do “Diário Oficial da União” no dia 30 de dezembro. No mesmo despacho, Mourão também nomeou como adido da Receita Federal nos Emirados Árabes Unidos outro auditor-fiscal suspeito de agir em favor dos interesses de Bolsonaro: José de Assis Ferraz Neto, então subsecretário-geral do órgão que teria pressionado o corregedor da RF a não investigar a quebra de sigilo fiscal de desafetos da família do ex-presidente da República.
O ex-chefe da RF, nomeado para o cargo na capital francesa, está diretamente envolvido no escândalo das joias. No relato de assessores de Bolsonaro ouvidos pela reportagem do G1, ele teria falado diretamente com o próprio ex-presidente, no fim do ano passado, para fazer uma última tentativa de reaver as joias. Também inverveio no aeroporto, falando com o chefe da Receita no turno antes da chegada do sargento enviado pela Presidência da República para reaver o presente.
Auditor que confiscou joias para Michelle tem conduta elogiada por sindicato. Presenteada em 2003, Marisa Letícia agiu da forma correta
O caso envolvendo as joias para Michelle é a prova da importância da estabilidade do funcionalismo público na carreira. Imagine se não houvesse nesse caso, o quanto os funcionários da Receita responsáveis pela apreensão da fortuna em joias seriam acossados.
O Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) divulgou nota em relação à conduta do auditor responsável por apreender as joias, dizendo que “os fatos relatados pela imprensa revelam um procedimento padronizado e conduta exemplar do auditor-fiscal responsável”.
No comunicado, a entidade ainda explica quais procedimentos devem ser seguidos nesses casos e ressalta a importância das garantias constitucionais do funcionalismo público, como a estabilidade na carreira.
“Em um caso como o relatado, verifica-se a importância de, no ato da aplicação da legislação aduaneira, a autoridade ser o auditor-fiscal, que não pode ser sobreposta pelo assessor de um ministro, secretário da Receita Federal, ministro de Estado ou mesmo o presidente da República”, ressaltou a nota.
Em 2003, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, ao final do primeiro ano do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em viagem oficial aos Emirados Árabes Unidos, onde foi presenteada com joias caríssimas por Fátima, esposa do xeique Zayed bin Sultan Al Nahyan, o fundador dos Emirados Árabes.
Com absoluta consciência de que não ficaria com aquela fortuna em ouro, diamantes e pedras preciosas, Marisa Letícia ainda assim não recusou o “presente”, já que o ato poderia ser considerado um insulto. Ela recolheu os objetos, repassou ao protocolo de Estado que acompanhava o casal presidencial brasileiro e imediatamente explicou aos assessores as razões para não ter recusado o “mimo”.
Dias depois, o Palácio do Planalto anunciou o destino das joias, que obviamente não ficariam com a então primeira-dama por uma questão de probidade e de ética. Tudo foi relatado por uma matéria do jornal Folha de S.Paulo, de 13 de dezembro de 2003, escrita pelo repórter Wilson Silveira.
Entenda o caso Michelle Bolsonaro
Em outubro de 2021, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque representou o então presidente em um evento na Arábia Saudita, governo de extrema direita com o qual Bolsonaro mantinha muita proximidade. Ao final do evento, o príncipe Mohammed bin Salman Al Saud entregou ao ex-ministro um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em 3 milhões de euros, o equivalente a R$ 16,5 milhões.
Os objetos foram dados como presente para a ex-primeira-dama Michelle e ao ex-presidente Bolsonaro. Bento Albuquerque e a equipe de assessores dele viajaram em voo comercial.
Ao chegarem ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 26 de outubro de 2021, um dos assessores foi impedido de levar os presentes, pois os valores ultrapassam US$ 1 mil. A Receita Federal no Brasil obriga que sejam declarados ao fisco qualquer bem que entre no país com valor superior a essa quantia.
À reportagem da CNN, interlocutores alegaram que o assessor do MME deveria ter informado que se tratava de um presente do reino da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama e o então presidente. “O assessor deveria ter informado oficialmente os itens e falado que eram presentes. Nesse caso, não seria cobrado qualquer imposto e as joias seriam consideradas como propriedade do Estado brasileiro.”
A CNN teve acesso a ofícios que descrevem que o material seria encaminhado “ao acervo” e que teria “um destino legal adequado”.
A Receita Federal esclareceu, em nota, depois da divulgação da notícia da apreensão das joias pelo jornal O Estado de São Paulo, em 26 de outubro de 2021, que “todo cidadão brasileiro sujeita-se às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública. Os agentes da Receita Federal atuantes na aduana são servidores de Estado, com prerrogativas e garantias constitucionais que lhes garante isenção e autonomia no exercício de suas atribuições legais. Todo viajante que traga ao país bens pertencentes a terceiros deve declará-los na chegada, independentemente de valor. No caso de bens pertencentes ao próprio portador, devem ser declarados aqueles em valor acima de US$ 1 mil, limite atualmente vigente”.
Caso não haja declaração, é exigido 50% do valor a título de tributo, acrescido de multa de 50%, reduzida pela metade no caso de pagamento em 30 dias.
A nota também diz que, “na hipótese de agente público que deixe de declarar o bem como pertencente ao Estado Brasileiro, é possível a regularização da situação, mediante comprovação da propriedade pública, e regularização da situação aduaneira. Isso não aconteceu no caso em análise, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pela Receita Federal a órgãos do governo”.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias, CNN, G1 e Fórum