Não é de hoje que críticos têm apontado que o Brasil está andando para trás quando o assunto são os projetos na área de energia renovável. Na contramão do restante do mundo, enquanto grandes petroleiras têm investido mais em projetos de energia limpa e menos nos que priorizam combustíveis fósseis, com o intuito de contribuir para a descarbonização atmosférica e as decorrentes mudanças climáticas, a Petrobras, cuja maior parte do capital está nas mãos do governo, tem desinvestido em biocombustíveis. Trata-se, portanto, de um contrassenso em um país que tem grande parte da sua matriz energética originária de fontes limpas.
Outro caso recente foi o da Eletrobras. Reportagem do jornal O Tempo mostra que, desde 2013, a empresa, que foi privatizada, vem enfrentando um desmonte. O investimento na companhia de energia elétrica caiu de R$ 16,36 bilhões naquele ano para apenas R$ 3,12 bilhões em 2020, conforme dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), com base nos relatórios da própria empresa, que tem 84% de sua geração voltada às hidrelétricas.
A mesma situação foi observada na Petrobras. A reportagem analisou documentos da estatal, que mostram desinvestimento em usinas de biodiesel. O Relatório Sobre a Revisão das Demonstrações Financeiras Intermediárias, da Petrobras Biocombustível S.A. (Pbio), datado de 31 de março deste ano, mostra que “esta operação está alinhada à otimização de portfólio e à melhora de alocação do capital, visando a maximização de valor para seus acionistas”. Somente no primeiro semestre de 2022, a estatal lucrou R$ 136,3 bilhões.
Em seu portfólio, a Petrobras tem hoje três usinas de biodiesel: uma em Quixadá (CE), outra em Candeias (BA) e mais uma em Montes Claros, no norte de Minas. Mas, segundo a reportagem, todas estão subutilizadas, sendo que a do Ceará sequer entrou em operação.
O biodiesel no Brasil é obtido a partir do processamento de óleo de soja, em sua maioria. Mas, em países como a Argentina, ele é derivado de fonte gordura animal.
O economista Thiago Silveira, do Observatório Social do Petróleo, classificou como problemática a postura da Petrobras de priorizar mais a exploração do pré-sal, com o objetivo de aumentar os dividendos de seus acionistas, em detrimento dos projetos mais sustentáveis.
“É preocupante porque (acontece) no momento em que o mundo está investindo em energia renovável. As próprias petroleiras estão se tornando empresas de produção de energia (limpa). Estão saindo só do foco dos combustíveis fósseis. A Petrobras está fazendo o contrário. Então, não coloca só em risco a biodiversidade, a sustentabilidade do Brasil, mas da própria empresa, porque ela vai deixar de ser um player mundial (em energia renovável)”, afirma.
Além dos biocombustíveis, a Petrobras também vendeu suas participações em energia eólica nos últimos anos. Os quatro parques que a empresa tinha foram todos repassados à iniciativa privada.
Já no que se refere à Eletrobras, o jornal O Tempo também mostra que a empresa, principalmente após ser privatizada, está indo para o mesmo caminho.
O economista do Dieese Cloviomar Cararine, entrevistado pela reportagem, disse que a falta de investimento prejudica o Brasil para além da geração de energia renovável, porque também força a importação de conhecimento por falta de especialização da mão de obra. “Não estamos pensando no nosso parque de engenheiros, que deveria receber investimentos agora. Quando a gente precisar, vamos ter que importar tudo isso. As estatais e empresas privadas de outros países, por conta da pressão de tratados e acordos firmados, estão investindo nisso. Mas, por aqui, estamos trazendo estatais estrangeiras para atuar no setor e vender nossas estatais. É uma loucura”, criticou.
Em vez de energia renovável, Brasil aposta em termelétricas
O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, mas prefere continuar investindo em termelétricas para geração de energia a partir de fontes fósseis. Recentemente, o tema vem ocasionando mobilização da sociedade civil.
No último dia 10, organizações do setor elétrico e de defesa do consumidor divulgaram uma carta contra o leilão agendado para 30 de setembro, para contratação de novas usinas movidas a gás natural, sob o argumento de que o custo é alto e que não há necessidade de nova contratação, uma vez que os reservatórios estão cheios. O documento foi encaminhado ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida.
A contratação de térmicas a gás natural está prevista na lei de privatização da Eletrobras, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em julho.
Nas últimas duas décadas, o Brasil aumentou a sua produção de energia elétrica em 78%, mas não manteve a mesma proporção em termos de fontes renováveis. Por outro lado, as termelétricas tiveram suas capacidades ampliadas e se multiplicaram, trazendo impactos ao meio ambiente e encarecendo a conta de energia elétrica em um momento de perda da renda do brasileiro.
No âmbito dos combustíveis, o candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) traz, em seu plano de governo, propostas mais concretas tendo a Petrobras no foco. O plano do pedetista, protocolado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), diz que “uma das nossas prioridades será mudar a política de preços da Petrobras, que hoje só beneficia importadores e acionistas, mas prejudica toda a sociedade brasileira, dado seu impacto sobre a inflação”.
O plano prevê iniciar um processo “que transformará a Petrobras numa empresa de ponta no desenvolvimento de novas fontes de energia, pois entendemos que o Brasil tem uma oportunidade de ouro para usar seus recursos naturais e desenvolver energia boa, barata e progressivamente limpa”.
Na avaliação dos economistas do ICL Deborah Magagna e André Campedelli, essa é, talvez, uma das partes mais importantes do plano de governo do pedetista. “Esse é um projeto que já vem sendo proposto em diversos países (…). A conjuntura de utilização da empresa nesse sentido a fortaleceria no curto prazo, ao mesmo tempo em que uma agenda verde é traçada. Esta é, com certeza, a melhor parte do plano de governo do candidato”, afirmam.
Redação ICL Economia
Com informações de O Tempo