O descaso com o qual o governo Jair Bolsonaro gere o meio ambiente tem trazido prejuízos ao próprio Estado brasileiro. Neste ano, o governo federal pode deixar de arrecadar R$ 298 milhões em multas aplicadas por crimes ambientais, os quais correm o risco de prescrever. O montante se refere a 2.297 multas aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
As estimativas foram feitas pelo órgão em junho passado com base em uma lei de 1999 sobre prazos de prescrição para ações punitivas do Estado brasileiro. A reportagem da BBC News Brasil obteve acesso às informações via LAI (Lei de Acesso à Informação).
Esse problema esconde outro, ainda maior e mais perigoso: beneficiados pela lei, os criminosos não temem as punições pois contam com a prescrição das multas sobre os crimes cometidos.
Ainda, aquele volume de multas é apenas uma fração do enorme problema. Segundo o Ibama, mais de 90 mil multas ainda estão na fila para serem processadas e seus prazos de prescrição são desconhecidos. O órgão também desconhece os valores, pois podem variar de acordo com o tipo de análise, já que há vários tipos de prescrição previstos em lei, que variam entre três e cinco anos.
O imbróglio mostrado pela reportagem é a prova de que criminosos ambientais continuam cometendo seus crimes com a bênção do Estado brasileiro, em um ciclo que perdura há anos. Dentre esses crimes estão o desmatamento e a grilagem de terras, que beneficiam negócios como a venda e a exportação de produtos, como carne e madeira.
De acordo com a reportagem da BBC News Brasil, mais de 10 mil multas ambientais são aplicadas anualmente no Brasil. Lembrando que o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) já esteve entre os infratores. Ele foi multado por pescar em área protegida em janeiro de 2012 e vem dizendo, desde que foi eleito, que quer acabar com a “indústria da multa” no Brasil. A multa prescreveu em 2019 e o agente que a escreveu foi removido de seu cargo no mesmo ano.
Esvaziamento de órgãos fiscalizadores e falta de pessoal facilitam crimes ambientais
O governo de Jair Bolsonaro tem sido conhecido com talvez o pior da história brasileira na gestão do meio ambiente. Uma de suas marcas tem sido o esvaziamento de órgãos de fiscalização, como o próprio Ibama e a Funai (Fundação Nacional do Índio), o que permite que crimes como o que deu fim às vidas do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, em junho passado, ocorram.
Como disse o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles em reunião vazada do alto escalão do governo, em 2020, o lema da atual gestão é deixar “passar a boiada”. Os dados mostrados pela reportagem evidenciam isso.
Além da falta de pessoal e o desfinanciamento dos órgãos de controle, as constantes mudanças na legislação, que no governo Bolsonaro são aprovadas para beneficiar quem desmata ou comete outros crimes ambientais, também contribuem para o atual estado das coisas.
Diagnóstico do próprio Ibama aponta que a atual equipe que analisa e julga os crimes ambientais não consegue dar conta do volume de trabalho, que só cresce. O resultado disso é que, dentro da burocracia do Estado brasileiro, a papelada se acumula e é repassada para o ano seguinte e assim sucessivamente. Estimativa interna do instituto diz que quase 40 mil multas podem prescrever até 2024.
Para que a infração ambiental seja punida, são necessárias quatro etapas: identificar o ilícito ambiental, autuar, julgar e cobrar a multa. Se o Estado demorar cinco anos ou mais para realizar qualquer uma dessas etapas ou ficar três anos sem “mover” o processo, a multa prescreve e nenhum dinheiro pode ser recolhido.
Apesar disso, a empresa multada pode ter de restaurar a área degradada, se assim determinado pela Justiça. Também há possível punição na esfera criminal.
Na opinião de Felipe Nunes, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa situação faz com que as pessoas tenham a impressão de que o Estado “é incapaz de punir”. Ele é um dos autores de um estudo que mostra que menos multas ambientais estão sendo aplicadas e julgadas pela atual administração do Ibama.
Outros especialistas entrevistados pela reportagem apontam que uma das razões que ajudaram a aumentar o risco de prescrições é a chamada audiência de conciliação, nova etapa antes do julgamento da multa em que o Ibama oferece ao infrator a possibilidade de chegar a um acordo com a empresa em vez de caminhar por um julgamento.
Esse procedimento foi criado em 2019 e acabou retardando o processamento de multas nos primeiros meses.
Dados da agência ambiental apontam que houve o menor número de julgamentos de infrações ambientais ao menos desde 2013 no órgão.
O Ibama reconheceu essas audiências como um desafio em uma avaliação interna, mencionando-as em seu memorando interno em uma seção sobre “ameaças ao processo sancionatório”.
O geógrafo e analista ambiental Govinda Terra, um dos diretores da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do MMA (Ministério do Meio Ambiente) e do Ibama (Asibama-DF), disse que a audiência de conciliação foi uma decisão que veio de cima para baixo, ou seja, servidores não foram consultados. “Gastou-se muita energia. Se tivessem priorizado o trabalho para melhorar julgamento e instrução das multas, não teríamos tantas prescrições de multas de valores altíssimos”, pontua.
No ano passado, o Estado brasileiro deixou de arrecadar cerca de R$ 644 milhões, referentes a 649 multas ambientais que prescreveram.
Redação ICL Economia
Com informações do Broadcast