Seguindo o script esperado, a Câmara dos Deputados aprovou em primeira turno ontem (20) a PEC da Transição, com 331 votos favoráveis e 168 contrários, ou seja, com 23 votos a mais dos que os 308 necessários para aprovação do texto. Foi convocada para esta quarta-feira (21) nova sessão, a partir das 10h, para que o texto seja votado em segundo turno.
A votação só foi possível depois de um acordo selado entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lideranças da Casa e o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na segunda-feira (19), o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou o orçamento secreto, moeda de troca instituída por Jair Bolsonaro (PL) para obter apoio do Congresso.
Conforme o texto aprovado no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição teria validade de dois anos para que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deixasse fora do teto de gastos as promessas de campanha, como o Bolsa Família de R$ 600 e um extra de R$ 150 para famílias com crianças de até seis anos, além de outros gastos necessários em áreas sociais sucateados durante o governo Bolsonaro. O texto aprovado ontem terá validade menor, de um ano, e, assim, o presidente da Casa mantém ainda aceso o seu poder de barganha com o novo governo eleito.
Como a proposta originária do Senado foi alterada pelo relator, o deputado Elmar Nascimento (União-BA), ela passará mais uma vez por análise dos senadores. Depois disso, se aprovada, a PEC é promulgada pelo Congresso Nacional, sem passar pelo presidente da República.
PEC da Transição flexibiliza R$ 145 bi do teto de gastos em 2023 e redistribui os R$ 19,4 bi do orçamento secreto a deputados e senadores
Para aprovação da PEC, extremamente necessária para que o governo eleito possa ter um mínimo de governabilidade no início do governo, o projeto aprovado ontem em primeiro turno flexibiliza em R$ 145 bilhões o teto de gastos (regra fiscal que limita o aumento de gastos do governo à inflação passada) até 2023 e libera R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto se houver arrecadação de receitas extraordinárias.
Apesar de golpeados pela decisão do STF sobre o orçamento secreto, o texto aprovado redistribui os R$ 19,4 bilhões das emendas do relator-geral (RP-9), como é tecnicamente conhecido o orçamento secreto. O texto também abre brecha para que parte do valor fique nas mãos do relator do Orçamento, o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Pelo texto a aprovado, o relator-geral poderá apresentar até R$ 9,85 bilhões em emendas para políticas públicas (50,77% dos R$ 19,4 bilhões das emendas de relator consideradas inconstitucionais). A outra metade foi direcionada para emendas individuais, que passam de R$ 11,7 bilhões em 2023 (R$ 19,7 milhões por parlamentar) para cerca de R$ 21 bilhões.
O governo Lula também fica obrigado a enviar, até agosto de 2023, uma proposta para substituir ou alterar a regra do teto de gastos. Ainda, o texto também diz que o Auxílio Gás integrará o rol de programas que ficam dispensados de cumprir a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Arranjo feito não soluciona problema da falta de transparência das emendas, segundo entidades
A redistribuição dos R$ 19,5 bilhões previstos para as emendas de relator no Orçamento de 2023 não deve resolver o problema da falta de transparência nem a distorção em políticas públicas que esse tipo de verba causa. O STF julgou exatamente a inconstitucionalidade do orçamento secreto, por ferir os princípios da transparência e da distribuição igualitária de recursos.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, organizações anticorrupção e ligadas à fiscalização e promoção da transparência dizem que o fim das brechas especificamente relacionadas às emendas de relator não exclui a necessidade de que sejam aperfeiçoados mecanismos do Orçamento para melhor acompanhamento dos gastos empenhados.
Na avaliação da professora da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo) e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, disse que houve um reequilíbrio de forças entre o Legislativo e Executivo a partir da decisão do STF, dividindo poderes sobre o Orçamento, mas o arranjo feito acaba contornando a decisão. “Tal estratégia tende a contornar a decisão do STF sobre as emendas de relator, mantendo e até ampliando proporcionalmente a chance de alocação arbitrária dos recursos via ‘pix orçamentário'”, avaliou, referindo-se à transferência de recursos de emendas individuais às bases sem critérios e nem transparência.
Também à reportagem da Folha de S.Paulo, Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, afirmou que as emendas individuais têm mais transparência que as emendas de relator, mas pecam por critérios frágeis e pouco detalhamento, o que dificulta a fiscalização inclusive por organizações especializadas no assunto.
Por sua vez, o economista Gil Castello Branco, presidente da Associação Contas Abertas, avaliou que a melhor escolha em termos de transparência seria destinar o dinheiro apenas para as emendas de comissões, que precisam justificar o interesse nacional na proposta. “Se você reúne parlamentares de diversas origens e eles decidem fazer emendas para determinadas áreas, muito provavelmente elas terão mais consistência e contemplam mais o interesse público do que as emendas individuais”, disse.
Ele também pontuou que os valores aumentados das emendas individuais “também vão acabar distorcendo as políticas públicas”. “Isso já se falava, porque muitas vezes elas atendem apenas aos interesses do parlamentar que quer enviar recurso para determinado local pensando nas próximas eleições”, comentou.
Ao longo de 2022, mais de R$ 16,5 bilhões foram destinados às chamadas emendas de relator.
Redação ICL Economia
Com informações da Agência Câmara e da Folha de S.Paulo