Classe média, hoje, é mais sofrida, afirma diretor da FGV Social

A carteira de trabalho – grande símbolo da classe média dos governos Lula – já não se encaixa mais no atual contexto diante da falta de emprego e  precarização do trabalho
5 de agosto de 2022

A classe média de hoje tem um novo perfil em relação aos governos petistas: ela é mais sofrida. Na avaliação do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, o quadro socioeconômico, que alavancou esse público nos anos 2000, era composto por três fatores principais: avanço da economia, crescimento da renda acima do PIB (Produto Interno Bruto) e redução contínua da desigualdade.

No caso brasileiro, a desigualdade caiu, como também teve queda na América Latina. Só que a renda média das pessoas aqui no Brasil subiu acima do PIB. Isso levou a um `crescimento do potencial de consumo. Todos esses efeitos duraram até 2014 e foram revertidos. “A desigualdade aumentou, o crescimento caiu e inverteu-se essa equação”, diz Neri, em entrevista à Folha de S.Paulo.

Segundo Neri, o que surpreendeu daquele movimento da nova classe média, dos governos petistas, é que persistiu durante um tempo. Sempre teve muita instabilidade, mas durou do fim da recessão de 2003 até 2014. Foi um processo de crescimento contínuo.

Neri explica que o conceito de classe média, atualmente, está mais próximo da classe média tradicional, que ascendeu no início da década de 1970. Nesse período, que ficou conhecido como milagre econômico, o Brasil teve altas taxas de crescimento, mas com uma escalada da desigualdade.

“Talvez tenhamos perdido aquele elemento de nova classe média, dos primeiros a ter acesso a certos itens de consumo. Eu diria que hoje é uma tendência mais de conservadorismo, uma apologia da época do milagre econômico”, afirma.

Existem dois tipos de classe média. Uma é a classe média americana, o padrão europeu, que figura no imaginário das pessoas mundo afora. Aquela que tinha dois carros, dois cachorros e dois filhos. Mas esse é um padrão de países ricos.

“Há também a chamada classe C, que é mais associada à nova classe média, porque a distribuição de renda brasileira, a partir da qual nós calculamos a classe média, é surpreendentemente próxima da média global”, explica Neri.

De 2015 em diante, o Brasil teve um desempenho bem pior. Certamente não se comportou como um país emergente. Houve esse achatamento, em função da grande recessão. O aumento da desigualdade na renda do trabalho foi contínuo por 17 trimestres consecutivos – um recorde de permanência.

A carteira de trabalho – grande símbolo da classe média dos governos Lula – já não se encaixa mais no atual contexto diante da falta de emprego e  precarização do trabalho

Dentre as mudanças de perfis, apontadas por Neri, está a carteira de trabalho – grande símbolo da classe média dos governos Lula –, que já não se encaixa mais no atual contexto. “Acho que esse é um tempo que já foi. Estamos mais numa época de empreendedorismo, uberização, não é mais a carteira assinada”, diz.

A classe C, hoje, é mais enxuta do que era nos anos 2000 e 2010. Basicamente, a população vive uma década perdida. “A desigualdade de renda do trabalho, que é motor importante de mudanças, por ser mais estrutural, estamos na mesma média de renda que tínhamos em 2012”, diz.

As pessoas têm perdido rendimento, tem havido uma certa precarização do trabalho, ao mesmo tempo em que há esse ganho de ocupação. Para os economistas do ICL, o  combate à inflação no Brasil tem histórico de prejudicar pobres, por gerar desemprego e precarizar o mercado de trabalho

Na análise de Neri, a classe média tradicional, passando pela B e chegando na A, vinha crescendo antes da pandemia. Talvez tenha sido a que, percentualmente, cresceu mais. Foi um ciclo virtuoso.

“Então é importante distinguir. Essa classe alta perdeu, muito por causa do isolamento social. Também não teve auxílio emergencial, que ajudou as classes mais baixas”, completa.

Logo no começo da pandemia, havia 64,5 milhões de pobres. No auge do auxílio caiu para 42 milhões. Esses 23 milhões de pessoas subiram. No entanto, seis meses depois, em janeiro de 2021, passou a ter 67 milhões de pobres. “Foi uma bate-volta”.

“No fundo, a classe C cresceu por duas forças na pandemia. De um lado, a perda do topo, porque a classe alta também perdeu. E por um impulso na base, em função do auxílio emergencial”, diz Neri.

Segundo o diretor da FGV Social, o crescimento da nova classe média foi muito forte no Nordeste, onde havia uma velha pobreza que virou nova classe média em alguma medida. Pernambuco foi onde a pobreza mais aumentou nos últimos dois anos. Cresceu 8,14 pontos percentuais.

No governo Lula, foram 17 pontos percentuais de queda de pobreza. Das pessoas que subiram, se considerar 2014, em vez de 2010, a queda foi de 25 pontos percentuais. Nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, a pobreza caiu 8 pontos percentuais, que é mais ou menos o que se perdeu agora na pandemia.

Outro ponto importante da nova classe média, apontado por Neri, é a existência dos primeiros da família que conseguiram acessar certos itens de consumo, como colocar o filho numa escola privada ou contratar um plano de saúde privado.

Não ter vivido a escassez, como é o caso das novas gerações, ou já ter experimentado no passado, faz com que a pessoa se ressinta mais. Os sociólogos falam que um pico prévio de consumo é um motivo de infelicidade presente. Assim como o efeito da “grama do vizinho ser mais verde”, explica Neri.

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias

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