Artigo: A classe trabalhadora paga pelo controle da inflação

Para economistas do ICL, combate à inflação no Brasil tem histórico de prejudicar pobres, por gerar desemprego e precarizar o mercado de trabalho
11 de julho de 2022

Artigo de Débora Magagna e André Campedelli*

 

A inflação é, historicamente, um problema na vida dos brasileiros e brasileiras. Em diversos períodos de nossa história, ocorreram aumentos expressivos dos preços e sempre foi muito difícil controlá-los. Existem algumas maneiras de realizar o controle da inflação, todas com custos econômicos perceptíveis, mas a preferida sempre foi aquela que acarreta a precarização do mercado de trabalho. É o que estamos vendo agora.

A tentativa do governo de baixar o preço dos combustíveis via redução do ICMS é mais uma mostra de que os mais pobres são prejudicados para seja alcançado o objetivo final. Podemos começar nossos exemplos desde o período da ditadura militar. Durante os primeiros anos dos governos militares, o país passava por uma inflação persistente e elevada havia anos. A solução tomada naquele momento foi fazer uma regra que realizasse um reajuste defasado dos salários, retirando o poder de compra e aumentando ainda mais a disparidade de renda, o que acabou como marca do período ditatorial brasileiro.

Anos mais tarde, a solução do Plano Real teve como parte do seu êxito o elevado desemprego gerado durante os primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso, que contribuiu para o sucesso do programa. Mesmo tendo todo um arcabouço monetário sofisticado, um dos grandes efeitos do plano foi a abertura econômica, que gerou uma quebradeira em diversas indústrias e causou aumento do desemprego, o qual, no médio prazo, reduziu o poder de compra da população mais carente do país. Tendo isso em vista, parece ser comum conseguir realizar o controle inflacionário a partir do aumento das mazelas dos mais pobres.

Contudo, um aprofundamento da situação aconteceu quando, em 1999, ocorreu a adoção do chamado Regime de Metas de Inflação. A partir daquele momento foi institucionalizado que a inflação deveria sempre ser coibida a qualquer custo, mesmo que isso significasse reprimir a demanda econômica, gerando desemprego e perda de renda da classe trabalhadora. Isso ocorreu em diversos momentos da economia brasileira desde então.

Um dos casos mais famosos foi em 2005 (governo Lula), quando o então presidente do Banco Central à época, Henrique Meirelles, temia o aumento da inflação devido ao grande crescimento que o país apresentava naquele momento. Imediatamente, ele passou a sugerir que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central (BC) fizesse uma série de aumentos da taxa básica de juros (Selic) para desacelerar a economia. Obviamente, esse mecanismo gerou efeitos, reduzindo o nível de crescimento econômico e aumentando o desemprego ao final de 2005.

Ainda no governo Lula, tivemos um segundo momento, que quase custou o cargo de Meirelles à frente do BC. Enquanto o antigo Ministério da Fazenda tomava medidas fiscais agressivas para amenizar os efeitos da crise de 2008, o Banco Central tomava medidas que buscavam amenizar os efeitos dessas políticas fiscais expansionistas.

Em suma, enquanto o Executivo procurava aumentar a atividade econômica, evitando que o desemprego aumentasse, o BC, com medo da inflação, atuava para frear a economia, mesmo que isso gerasse um aumento do desemprego naquele momento.

A queda de braço foi tão polêmica que o presidente do Banco Central acabou cedendo e, em 2009, reduziu a taxa Selic. A medida ajudou a amenizar os impactos da crise econômica que ainda assolava o mundo sobre a economia brasileira.

Por fim, temos o caso da inflação que ocorreu entre os anos de 2015 e 2016. Logo que Temer chegou ao poder, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, uma série de reformas foram realizadas buscando reduzir tanto o poder de barganha dos trabalhadores como o salário recebido por eles. Isso garantiu que os preços tivessem uma redução considerável durante os anos do governo Temer, mas novamente o controle inflacionário foi às custas da classe trabalhadora.

Finalmente, chegamos à atual situação, em que o preço dos combustíveis afeta com veemência a inflação brasileira e uma série de medidas poderiam ter sido tomadas, como a eliminação da política de preços da Petrobras ou a taxação sobre lucros extraordinários de empresas petrolíferas, mas, até o momento, não foram. A opção do governo foi reduzir drasticamente o ICMS, com efeitos sobre os combustíveis ao consumidor.

Em um primeiro momento, a impressão que se tem é de que a medida vai favorecer as pessoas mais pobres, pois com a redução de impostos haveria mais renda disponível aos trabalhadores. Porém, não podemos nos esquecer de que a redução do ICMS impacta a manutenção de serviços públicos básicos oferecidos por estados e municípios, que têm no tributo sua principal fonte de receita. Portanto, no curto prazo, isso pode até parecer benéfico para todos, mas os efeitos no longo prazo precisam de mais atenção.

A falta de recursos para estados e municípios deve precarizar ainda mais a situação da saúde e da educação. Além disso, uma série de bens que estão atualmente com incentivos fiscais podem ter seus benefícios cortados, devido ao aumento da necessidade de novas fontes de arrecadação. Sendo assim, no médio prazo o efeito deve ser o sucateamento ainda maior dos serviços públicos, sendo que estes são mais utilizados pela população mais carente.

Novamente, o combate inflacionário escolheu um lado, o da classe capitalista empresarial. Não ocorreu nenhuma tentativa de se adotar medidas que reduzissem os lucros dos acionistas da Petrobras. A opção que se fez, isso sim, foi por aquelas com um enorme potencial de precarizar os serviços públicos.

Ao que parece, sempre que é preciso tomar um lado, as autoridades brasileiras escolhem atacar o do trabalhador, que é parte mais fragilizada dessa equação.

 

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo Insper. É especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia graduado pela PUC-SP. Tem doutorado pela Unicamp, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

 

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