Deixar de valorizar salário mínimo não desacelera inflação e ainda provoca efeito recessivo, afirma economista

A política do governo Bolsonaro de não reajustar o mínimo acima da inflação mostra-se prejudicial ao funcionamento da economia
17 de junho de 2022

No governo Bolsonaro não há reajuste do salário mínimo acima da inflação há três anos. O último foi em 2019, quando ainda prevalecia a regra de correção que considerava a inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Trata-se de um fator determinante para a desaceleração da economia, porque toda vez que o salário mínimo “encolhe”, crescendo em ritmo menor que o do aumento dos preços, provoca um efeito recessivo em toda a economia.

Isso acontece porque a inflação brasileira é a chamada “inflação de custos”, ou seja, do preço das coisas, como contas e compras que vão aumentando. A explicação é do economista Marcelo Medeiros, professor visitante na Universidade Columbia (EUA) e que há décadas se dedica a pesquisar a desigualdade social brasileira.

Em entrevista à BBC, Medeiros explicou que, em seu entendimento, elevar o piso nacional gera um efeito mais positivo para todos os trabalhadores do que programas assistenciais como o Auxílio Brasil, focados nas faixas de pobreza e extrema pobreza. “O ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda”, opinou.

Bolsonaro deve terminar mandato com o salário mínimo com menos poder de compra do que quando assumiu o cargo

O debate sobre o salário mínimo voltou à tona com a recente divulgação do relatório da corretora Tullett Prebon Brasil, que estima que o mínimo perderá 1,7% em poder de compra até o fim do atual mandato do presidente Jair Bolsonaro, passando de R$ 1.213,84 para R$ 1.193,37 entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, descontada a inflação prevista no Boletim Focus.

Este cenário tornaria Bolsonaro o primeiro presidente da República desde o Plano Real a concluir o mandato com o mínimo com menos poder de compra do que quando assumiu o cargo.

Desde 1994, ano da implantação do Plano Real, isso não ocorre. Pelo contrário, houve crescimento real de 50,9% do salário mínimo nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso na presidência, 57,8% de crescimento real nos oito anos de Lula e mais 12,67% na gestão de Dilma Rousseff, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

salário mínimo

Marcelo Medeiros – Reprodução Columbia Sipa

Embora Medeiros considere que ainda é cedo para estimar qual será de fato a perda real do mínimo no governo Bolsonaro, ele destaca que, no passado, a queda no poder de compra mostrou-se prejudicial ao funcionamento da economia e impactou negativamente o dia a dia dos brasileiros.

Para o economista, há pessoas que não estão na condição extrema da pobreza, mas ainda assim têm renda baixa o suficiente para merecer atenção das políticas sociais. Desta forma, parte do custo é absorvido pelo estado e parte do custo é redistribuído por todo o mercado de trabalho. “Todo mundo que contrata alguém com salário mínimo absorve parte desse custo. É por isso que você dá o aumento no momento que a economia está crescendo, para acompanhar o crescimento da economia. Supondo que esse crescimento está melhorando a condição das pessoas, então você distribui esse crescimento, de alguma maneira, também para as pessoas mais pobres. Essa é a lógica por trás dos aumentos, e é bem fundamentada”, explica Medeiros.

É ultrapassada a discussão de que aumentar o mínimo gera desemprego

Questionado pela reportagem da BBC se o aumento do salário mínimo poderia ter efeito reverso e gerar pobreza, Medeiros foi enfático ao afirmar que essa discussão de que, ao subir o salário mínimo, as empresas não conseguiriam pagar e demitiriam – fazendo com que o aumento do valor do salário mínimo, na verdade, gerasse pobreza – já é considerada obsoleta.

Ele explica que o desemprego no Brasil é determinado por outros fatores, principalmente por problemas do desempenho geral da economia e não especificamente pelo custo isolado do trabalhador. “Além disso, não estamos falando em um aumento de 30%, mas sim em um ganho real que gira entre 1% e 3%. O mercado não reage com desemprego quando se trata de aumentos pequenos”, explicou.

Sobre a política de redução de salário mínimo, Medeiros afirmou que “é certamente uma péssima ideia”, ressaltando seu caráter recessivo, diminuindo o consumo e desacelerando a economia. “Além do mais, vai aumentar a pobreza, a não ser que seja compensado pela expansão grupal de outras políticas para compensar as perdas que você terá, cujo custo fiscal vai ser mais alto”, disse.

Nos últimos três anos, o que podemos verificar é que deixar de valorizar o salário mínimo não apenas não teve impacto sobre o ritmo da inflação, como piorou as condições de vida das classes mais baixas, cujos rendimentos são fortemente ligados ao valor do mínimo.

Ganhos de até um salário mínimo indicam a precarização do trabalho

O fato de a quantidade de trabalhadores que recebe apenas um salário mínimo ter aumentado tanto desde 2015 mostra também a verdadeira face do mercado de trabalho atual no Brasil.

Para o economista do ICL André Campedelli, “os empregos estão cada vez menos especializados e os trabalhadores, com pouca capacidade organizacional, recebem menores remunerações com o passar dos anos. Isso é fruto da reforma trabalhista, que precarizou o trabalhador brasileiro e fez com que aumentasse em mais de 10 pontos percentuais o números dos trabalhadores que recebem apenas o salário mínimo exigido por lei”.

A “reforma” que retirou direitos dos trabalhadores não teve sequer “impacto significativo” na evolução da taxa de desemprego no Brasil, segundo levantamento publicado pelos pesquisadores do Centro de pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da Universidade de São Paulo (Made-USP), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE. De acordo com o estudo, a reforma trabalhista levou a uma precarização do trabalho.

O resultado da pesquisa desmonta o argumento do governo de Michel Temer, autor da “reforma”, que, à época, estimava que a medida criaria entre 2 e 6 milhões de empregos.

Redação ICL Economia
Com informações da BBC

Continue lendo

Assine nossa newsletter
Receba gratuitamente os principais destaques e indicadores da economia e do mercado financeiro.