Descaso da Enel para solucionar apagão em SP é prova de que serviços essenciais não devem ser privatizados

O economista e fundador do ICL, Eduardo Moreira, diz que o primeiro passo, depois da privatização, é cortar custos, "piorando a qualidade, mandando um monte de gente embora, fazendo o serviço ficar menos confiável e aumentando o preço do produto". Depois, pede ajuda ao Estado.
6 de novembro de 2023

O descaso da concessionária Enel no atendimento aos consumidores na Grande São Paulo desde sexta-feira passada (3), sendo que cerca de 500 mil imóveis estão sem energia elétrica até agora como consequência de fortes chuvas, despertam críticas à privatização de serviços essenciais e a seus defensores, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB), em campanha pela venda da Sabesp, concessionária do serviço de água.

O apagão que começou na sexta-feira ainda afeta grande parte da capital paulista e da Grande São Paulo nesta manhã de segunda-feira (6). Muitas localidades ainda estão no escuro, há dezenas de árvores caídas em vários pontos de São Paulo e há, também, muitos moradores enfrentando falta d’água. E, segundo a Enel, a previsão é que o fornecimento de energia seja totalmente restabelecido até esta terça-feira (7).

Moradores relatam também o esforço de subir e descer até 20 andares devido a falta de geradores. E, quando há esses equipamentos, falta o acesso a óleo diesel para fazê-los funcionar.

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O economista Eduardo Moreira. Crédito: Reprodução ICL Notícias

O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, abordou o assunto na edição de hoje do ICL Notícias, programa diário transmitido via redes sociais.

“Sabe qual foi o setor que, na história inteira, mais recebeu ajuda do Estado, de dinheiro do contribuinte, o teu dinheiro, chantageando o Estado? O setor de energia. O primeiro são os bancos. Primeiro, privatiza, corta custos piorando a qualidade, mandando um monte de gente embora, fazendo o serviço ficar menos confiável e aumentando o preço do produto. Aí, quando vem a primeira crise, bate no Estado e diz: ‘me ajuda!'”, criticou.

Segundo Moreira, processar essas empresas pelos prejuízos causados com o apagão não funciona. “Já tentei entrar com processo, que é feito para você desistir. Até o último estágio, a empresa quer o laudo técnico [para comprovar os prejuízos que consumidor teve com o apagão] e o laudo custa mais caro do que o que você vai receber de indenização”, disse. “Em termos financeiros, vale deixar a cidade quatro dias no apagão do que voltar com a luz”, complementou. Afinal, para a empresa privada o lucro está acima de tudo.

Para aqueles que ainda defendem a privatização, ele também lembrou que grande parte dos serviços privatizados no Brasil foram comprados por estatais de outros países, como as do serviço de telefonia.

Uma prova de que o serviço oferecido pela Enel piorou é que a empresa reduziu fortemente o número de funcionários desde 2019.

É o que mostram dados apresentados pela própria companhia à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Entre 2019 e 2023, o corte foi de quase 36% – os números foram divulgados pela CNN.

Em 2019, a Enel contava com 23.835 funcionários e colaboradores, entre profissionais contratados pela empresa e terceirizados que vinham da antiga Eletropaulo. No fim de setembro de 2023, a força de trabalho da concessionária era de 15.366 profissionais – uma redução de 35,5% em quatro anos.

A má qualidade dos serviços ofertados pela empresa fez com que a sede da empresa, de origem italiana, fosse incendiada em 20 de outubro de 2019, durante protestos no Chile.

Manifestantes atearam fogo no prédio na capital Santiago contra os aumentos na tarifa de energia elétrica superiores a 15% naquele ano, apesar da má qualidade do serviço oferecido.

Falta de solução para apagão em SP vira jogo de empurra entre empresas e autoridades. Jurista defende cassação de concessão da Enel

O governador de São Paulo lamentou as seis mortes causadas pelas fortes chuvas que caíram na capital paulista e região metropolitana, descrevendo o evento climático como extremo. Apesar disso, a situação virou um jogo de empurra entre as autoridades e a empresa.

No sábado (4), o prefeito Ricardo Nunes visitou o Centro de Operações da Enel e mencionou que São Paulo não enfrentava rajadas de vento como as que atingiram a cidade, conforme dados do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências) da prefeitura.

O prefeito relatou que 1.470 funcionários foram mobilizados para lidar com o corte e a poda de árvores, e 1.900 estão envolvidos em operações de limpeza. No entanto, o prefeito chegou a dizer que dependia dos serviços da Enel para retirar cabos de energia caídos para não colocar em risco os funcionários da prefeitura responsáveis por fazer as podas.

O jurista Pedro Serrano, um dos mais conceituados constitucionalistas do país, defendeu a cassação da concessão da Enel, pois o corte de funcionários realizado pela empresa piorou a qualidade dos serviços prestados.

“Com tamanho corte de funcionários, obviamente não há como garantir a continuidade dos serviços em momentos de turbulências naturais, imprevistas mas previsíveis . A Enel cometeu falta grave, deveria ter sua concessão rescindida sem direito a qualquer indenização”, postou Serrano, em seu perfil oficial na rede X (antigo Twitter).

Editor do ICL Notícias comenta cobertura banal da mídia sobre o apagão

O editor-executivo do site ICL Notícias abordou a cobertura da imprensa sobre o descaso da Enel na cidade de São Paulo.

Ele começa o texto com a frase do prefeito Ricardo Nunes, ao dizer em entrevista que “a Enel nos deu um prazo de que, até terça-feira, consegue reestabelecer a energia da cidade”.

O prazo de quatro dias dado pela empresa, segundo o jornalista, teria outra dimensão na mídia se a Enel fosse uma empresa estatal. “Imagine, leitor, se o apagão tivesse ocorrido nos tempos em que a distribuição de energia era feita por uma empresa pública e o prefeito fizesse afirmação semelhante. Alguma dúvida de que uma enorme gritaria já teria tomado conta dos noticiários e colunas de economia para baixar o sarrafo nos serviços prestados pelo estado e louvar as pretensas maravilhas da privatização?”, escreveu.

Ele lembra que esse tipo de ocorrência sempre foi usada para defender a privatização, enquanto as falhas das empresas privadas são sempre minimizadas ou ignoradas.

Uma coisa, segundo ele, é não ignorar que, sim, as mudanças climáticas provocam impacto. Porém, deve-se reconhecer que não se deve privatizar setores estratégicos para uma cidade, um estado, um país, “por conta da importância que têm para a vida da população”.

Redação ICL Economia
Com informações da Rede Brasil Atual, Brasil 247, ICL Notícias e Metrópoles

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