Faltando apenas duas semanas para as eleições presidenciais, o dólar na Argentina superou a cotação de mil pesos ontem (10). O pleito eleitoral, que tem como líder o candidato de ultradireita Javier Milei, intensificou a corrida cambial no país, e o dólar “blue”, como é chamada a cotação vendida no mercado paralelo, atingiu novo recorde histórico.
Segundo reportagem do jornal La Nación, a moeda americana chegou a ser negociada a 1.025 pesos na capital, Buenos Aires, ontem, encerrando o dia em 1.010 pesos. No oficial, a moeda norte-americana era negociada a 365,50 pesos.
Outra reportagem do jornal diz que o ministro da Economia da Argentina e candidato à Presidência, Sergio Massa, vai anunciar, nesta quarta-feira (11), medidas para tentar frear a escalada do dólar. Segundo ele, entre as medidas estará uma vinculada à consolidação das reservas do país para tentar impedir qualquer ataque especulativo.
Em agosto passado, Massa esteve no Brasil, onde assinou um acordo comercial pelo qual o governo brasileiro vai financiar exportações para o país vizinho, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, no valor de US$ 600 milhões.
O acordo já vinha sendo costurado entre os dois países, principalmente pelo fato de o país vizinho enfrentar grave crise financeira e escassez de dólares, o que dificulta a compra dos produtos brasileiros, especialmente do setor de peças automotivas que são utilizadas como insumos para a fabricação de veículos posteriormente exportados ao próprio mercado brasileiro.
Nas ruas da capital argentina, a cotação do “dólar blue” pode mudar de cueva para cueva, como são chamados pontos informais de troca de moedas.
A desvalorização do “dólar blue” vem ocorrendo desde as primárias realizadas em 13 de agosto, quando foram escolhidos os candidatos dos partidos que disputarão as eleições. Desde aquele período, a desvalorização acumulada é de 40%, e a expectativa de analistas é de que esse movimento continue até o fim das eleições.
Sergio Massa atribui a Javier Milei a culpa pela desvalorização do dólar na Argentina, e tensão política sobe às vésperas das eleições
Massa colocou seu rival nas eleições, Milei, a culpa pela nova corrida ao dólar paralelo. Em 2 de outubro, a cotação da moeda estava em 800 pesos.
Na última segunda-feira (9), Milei disse a jornalistas locais que o peso era “um excremento”, atitude considerada irresponsável por Massa, candidato peronista. O candidato do partido A Liberdade Avança também defendeu a não renovação de aplicações de renda fixa em pesos.
Na última quinta (5), quando o peso argentino começou a perder valor com mais velocidade diante do dólar, Milei disse a jornalistas que lhe perguntaram sobre sua proposta de dolarizar a economia que “quanto mais alto o dólar estiver, mais fácil dolarizar”.
Massa não apenas responsabilizou Milei pela disparada do dólar, como também disse, em evento na Câmara da Construção Argentina, que vai “prender os que atacam as poupanças das pessoas”.
“Posso ganhar ou perder a eleição, isso é secundário. Mas tenham a certeza de que até o dia 10 de dezembro (quando assume o novo presidente) vou me ocupar dos espertinhos, aviso para que depois não digam que atacamos o mercado ou as liberdades. Até que não os veja presos não vou parar”, disse o ministro e candidato, conforme publicado no La Nación.
Em resposta, o candidato da extrema direita negou qualquer responsabilidade pela nova corrida cambial em seu país, e disse considerar “vergonhoso o espetáculo que estão fazendo os políticos, tentando obter benefícios pelo descontrole da economia atribuindo responsabilidades [a outros]. Se querem encontrar os responsáveis se olhem no espelho”.
Além de Milei, o candidato de seu partido a chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Ramiro Marra, afirmou esta semana a meios de comunicação locais que os argentinos não devem poupar em pesos, afirmando que “tudo isso é culpa da irresponsabilidade dos políticos que não sabem governar”.
Ontem, o Banco Central argentino divulgou um comunicado no qual destacou que o país tem “um sistema financeiro líquido e solvente”. “A poupança dos argentinos depositada no sistema financeiro está protegida por um seguro de depósito e pelo Banco Central da República Argentina”, enfatizou o comunicado.
Associações de bancos que operam na Argentina também divulgaram nota conjunta na qual afirmam que “recomendar que não sejam renovadas aplicações de renda fixa não faz outra coisa que gerar preocupação num setor da população. A corrida pela Presidência deve estar baseada na concorrência de ideias e na capacidade de implementação dessas mesmas ideias”.
Corrida cambial ocorre em momento de fortalecimento do dólar
A corrida cambial na Argentina acontece no momento de fortalecimento do dólar no mercado internacional nos últimos meses, de excesso de pesos argentinos na economia e de grande nível de incerteza sobre a política econômica do próximo governo.
“O fato de Milei continuar prometendo que vai dolarizar e que esse é seu único plano econômico de estabilização faz com que os tipos de câmbio pareçam baratos hoje”, disse o economista Martín Kalos, diretor da EPyCA Consultores, à CNN.
Pelos cálculos do especialista, para dolarizar — caso o Banco Central consiga os dólares para isso — seria por uma cotação de pelo menos de 3 mil pesos por dólar “no cenário mais conservador”.
Por sua vez, o economista Matías De Luca, da consultoria LCG, disse que a atual corrida por dólares acontece pela antecipação da possibilidade de vitória de Milei.
“A corrida teve início na semana passada, mas ontem [anteontem, 9] teve um debate, e as pessoas já começam a consolidar a ideia de que provavelmente o Milei será presidente e a declaração dele termina de ativar o mecanismo de autodefesa das pessoas”, pontuou.
Traumatizados com uma sequência de crises, a população da Argentina costuma recorrer ao dólar como refúgio para proteger suas economias da desvalorização do peso. Muitos ainda guardam o dinheiro em casa, em dólar, ou alugam cofres externos para guardar as notas.
A estimativa é que os argentinos tenham entre US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1 bilhão) e US$ 400 bilhões (cerca de R$ 2 bilhões) fora do sistema financeiro do país, seja em divisas estrangeiras no país ou no exterior.
Para evitar a fuga de dólares do Banco Central, o governo limita a compra a 200 dólares mensais por pessoa ao câmbio oficial, que está em 365, menos da metade do valor vendido no mercado paralelo.
Os argentinos também podem comprar a moeda norte-americana pela cotação MEP, que tem flutuação igualmente controlada pelo governo e cuja cotação saltou de 820 para 839 pesos nesta segunda.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias, do La Nación e CNN