A dois meses das eleições presidenciais, o presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem (3), com vetos, a lei que permite beneficiários do programa Auxílio Brasil a tomarem empréstimo consignado. A sanção do presidente deve ser publicada no “Diário Oficial da União” nesta quinta-feira (4) e mostra que o governo federal está fazendo de tudo para aumentar o poder de barganha do presidente, candidato à reeleição.
O ICL Economia já publicou diversos alertas de que a medida, meramente eleitoreira, é vendida como solução, mas, na verdade, esconde armadilhas para pessoas em situação de vulnerabilidade, deixando-as amarradas às altas taxas de juros do consignado cobrados por instituições financeiras.
Em nota o Palácio do Planalto afirma que a lei “ensejará um significativo incremento do acesso ao crédito, viabilizando uma solução financeira mais eficiente à população, podendo contribuir para a retomada econômica e a preservação de empregos e renda”. Mas a história não é bem assim.
O governo Bolsonaro tem lançado mão de diversas artimanhas para tentar alavancar o seu nome nas pesquisas de intenção de votos à Presidência. Ele, que tem aparecido em segundo lugar nas pesquisas, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu aprovar a toque de caixa no Congresso a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Eleitoral, pacotaço de benefícios como o aumento do Auxílio Brasil, o PIX Caminhoneiro e o auxílio para taxistas. Depois do pacote, veio a medida provisória que institui o consignado, proposta que ajudará muito mais os bancos, recentemente alvos de críticas de Bolsonaro, do que os beneficiários do programa.
Os empréstimos consignados, com desconto em folha de pagamento, poderão ser feitos já a partir deste mês, e os bancos e instituições financeiras já correm para fazer o pré-cadastro dos beneficiários do programa, incluindo também aqueles que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Cada beneficiário poderá comprometer 40% do valor do benefício por mês com o pagamento das parcelas.
Lembrando que as parcelas do Auxílio Brasil, no valor de R$ 600, serão pagas somente até o fim do ano. O limite de crédito do empréstimo consignado ofertado pelos bancos é de R$ 2.000,00.
Especialistas já disseram que aumentar o poder aquisitivo das famílias beneficiárias do programa às vésperas das eleições, em outubro, é medida eleitoreira.
Lei do consignado: projeto em tramitação no Senado estabelece limite de juros bancários para empréstimo consignado
A lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro sobre empréstimo não estabelece limite para os juros do consignado cobrados pelas instituições financeiras, diferentemente do que ocorre com empréstimos a outros públicos, como aposentados do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Em reportagem, o jornal O Globo consultou bancos e instituições financeiras, cujas taxas oferecidas para essa modalidade vão até 4,96% ao mês — ou 78,8% ao ano. Este percentual é maior do que o ofertado a beneficiários do INSS (26,9% ao ano) e para trabalhadores do setor privado (36,8%). Ou seja, os juros ofertados para pessoas em situação de vulnerabilidade são muito maiores do que os disponíveis aos demais, conforme já mostrou o economista Eduardo Moreira no ICL Notícias. Segundo Moreira, ao final do empréstimo, o tomador do empréstimo pagará o dobro do valor obtido com o benefício.
“Os bancos estão preparando a maior maldade que eu já os vi fazerem na minha vida e com o apoio de parlamentares”, criticou o economista, à época da apresentação da MP no Congresso.
Na edição de 5 de julho do ICL Notícias, no YouTube, ele apresentou uma simulação, na qual é antecipado o valor de R$ 2.128,28, pagos em 24 parcelas de R$ 160 (limite de 40% do valor do auxílio), a um custo efetivo total de 5,24% ao mês e de 86,09% ao ano. No final do prazo, o devedor pagará R$ 3.840,00 à instituição financeira, ou seja, quase o dobro do valor emprestado. Essa situação, segundo Moreira, gera um grave problema de superendividamento das famílias, com gravidade acentuada para aquelas de baixa renda.
Com base na crítica de Eduardo Moreira, o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou no Senado, em 20 de julho, um Projeto de Lei para complementar a Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, para limitar os juros do consignado a um limite de 15% ao ano para beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC. Os 15% incluem tanto os juros quanto as tarifas bancárias, encargos operacionais, seguros ou quaisquer outros valores incidentes sobre a operação financeira.
Além disso, o texto do senador também busca coibir o marketing ativo, ou seja, aquele em que a instituição vai atrás do recebedor do benefício via telefone, ou por qualquer outro meio eletrônico, ou ainda pessoalmente, como é comum nesse tipo de operação de crédito.
Governo prepara decreto regulamentando o empréstimo consignado para esta semana
O governo deve publicar ainda esta semana o decreto que regulamenta o consignado, permitindo que os bancos comecem a emprestar. Além do decreto, o Ministério da Cidadania vai editar uma portaria se comprometendo a divulgar a lista dos bancos credenciados.
Para analistas, o empréstimo consignado trata-se de uma medida é extremamente eleitoreira, pois o governo teve quase quatro anos para tomar iniciativas em relação a esse segmento da população.
Para o economista e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Renato Maluf, que também coordena a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), o consignado é “o tipo de resposta de quem não tem capacidade nem interesse de tratar a raiz dos problemas”.
Para basear a sua declaração, feita ao jornal O Globo, ele cita o resultado de uma pesquisa da Rede Penssan, que mostra que dos entrevistados que informaram endividamento, 49,1% passaram por insegurança alimentar, de moderada a grave. “É um percentual muito elevado. Estão propondo antecipar um dinheiro para famílias extremamente necessitadas, que vão comprometer o uso de uma parte significativa do auxílio que recebem a juros exorbitantes. Isso é uma irresponsabilidade”, critica.
Redação ICL Economia
Com informações das agências