A temperatura em toda a Europa tem passado dos 40ºC, da Espanha ao Reino Unido, e se espalhando para o Leste. Ao mesmo tempo, o calor aumenta o número de incêndios florestais em um cenário de seca prolongada. Ainda faltam dois meses para o verão no Hemisfério Norte terminar. Também o calor e a seca persistem ao longo da estação de crescimento das plantações nos Estados Unidos, contribuindo para uma colheita reduzida, afetando a produção de alimentos.
Os cientistas dizem que o calor extremo persistente deste ano segue uma tendência. As ondas de calor na Europa, afirmam, aumentam em frequência e intensidade em um ritmo maior do que em quase qualquer outra parte do planeta.
O aquecimento global desempenha um papel-chave, tal qual em outras ondas de calor pelo mundo. Hoje, a média da temperatura planetária é 1,1ºC maior do que na segunda metade do século XIX, antes da Revolução Industrial intensificar as emissões de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa.
O calor extremo, portanto, decola de um ponto de largada mais alto. Além disso, há outros fatores, como as condições atmosféricas e as correntes marítimas, que podem transformar a Europa em um epicentro para o problema.
Nos Estados Unidos, o calor tem sido um vilão para o pólen. Mesmo com água adequada, o calor pode danificar o pólen e impedir a fecundação na canola e em muitas outras culturas, incluindo milho, amendoim e arroz.
Por essa razão, muitos agricultores almejam que as plantações floresçam antes que a temperatura suba. À medida que as mudanças climáticas aumentam, o número de dias em que as temperaturas passam de 32 °C, em várias regiões ao redor do mundo, e vários dias prolongados de calor extremo se tornam mais comuns. Conseguir acertar o momento ideal pode se tornar um desafio.
Segundo reportagem publicada na Food & Environment Reporting Network, campos de plantação de alimentos, como canola, da família de agricultores Flansburg, no estado de Washington, nos Estados Unidos, foram atingidos por um calor de 42°C assim que as flores se abriram. Flores amarelas desfaleceram, a reprodução parou e muitas sementes que teriam sido prensadas para virar óleo nunca se formaram. Flansburg produziu cerca de 272kg a 363kg por acre. No ano anterior, sob condições climáticas ideais, a produção foi de 1.225 kg por acre.
Eles estão descobrindo genes que podem levar a variedades mais tolerantes a altas temperaturas e criando cultivares (novas raças) capazes de sobreviver ao inverno e florescer antes do calor vir à tona.
Os cientistas têm sondado os limites precisos do pólen e até mesmo colhendo pólen em larga escala para pulverizar diretamente as plantações quando o clima melhorar. O que está em jogo é grande parte da nossa alimentação. Cada semente, grão e fruta que comemos é um produto direto da polinização,
A criação das sementes começa quando um grão de pólen deixa a antera do órgão reprodutor masculino de uma planta (o estame), pousa no estigma pegajoso de um órgão reprodutor feminino (o pistilo), e o tubo polínico começa a crescer.
Esse tubo é formado por uma única célula que cresce por meio do estigma e desce por uma espécie de haste chamada estilete até chegar ao ovário, onde entrega o material genético do grão de pólen.
O desenvolvimento do tubo polínico é um dos exemplos mais rápidos de crescimento celular no mundo das plantas, diz Mark Westgate, professor emérito de agronomia da Universidade Estadual de Iowa, nos EUA. “Ele cresce até um centímetro (0,4 polegadas) por hora, o que é incrivelmente rápido”, afirma.
Crescer neste ritmo requer energia. Mas em temperaturas a partir de cerca de 32 °C para muitas plantações, as proteínas que alimentam o metabolismo de um grão de pólen começam a se decompor, explica Westgate.
Na verdade, o calor dificulta não apenas o crescimento do tubo polínico, mas também outros estágios do desenvolvimento do pólen. Resultado: o grão de pólen pode nunca se formar ou pode estourar, não ser capaz de produzir um tubo ou produzir um tubo que exploda.
Nem todas as cultivares são igualmente suscetíveis ao calor. Os pesquisadores ainda estão tentando entender os mecanismos moleculares que permitem que o pólen de algumas sobreviva, enquanto o pólen de outras morre.
Por exemplo, a fertilização é notoriamente sensível ao calor em muitas cultivares de tomate — cultura que em 2021 cobria 1.109 km² de campos abertos apenas nos EUA. Se o tempo ficar muito quente, diz Randall Patterson, presidente da Associação de Produtores de Tomate da Carolina do Norte, “o pólen vai queimar”.
Patterson programa suas plantações de tomate para florescerem durante o período mais prolongado de noites abaixo de 21°C e dias abaixo de 32°C.
Normalmente, ele tem uma janela de três a cinco semanas na qual o clima coopera para cada uma de suas duas estações anuais de crescimento. “Se ficar mais quente, e se tivermos mais noites acima de 21°C, vai fechar nossa janela”, alerta.
Muday estuda o pólen da mutação de um tomateiro que pode conter pistas para manter essa janela aberta.
Em 2018, sua equipe anunciou que os antioxidantes conhecidos como flavonóis desempenham um papel importante na supressão de moléculas altamente reativas contendo oxigênio, chamadas espécies reativas de oxigênio (ROS, na sigla em inglês), que de outra forma aumentariam para níveis destrutivos em altas temperaturas.
Muday agora faz parte de uma equipe de várias universidades com o objetivo de descobrir os mecanismos moleculares e os genes subjacentes que podem ajudar o pólen do tomate a resistir a uma onda de calor. A expectativa é de que os criadores possam incorporar estes genes em tomates novos e mais resilientes.
As descobertas do estudo inicial já ajudaram Muday a desenvolver um tomate que produz níveis especialmente altos de flavonóis. “Eles parecem ser muito bons em lidar com o estresse da alta temperatura”, diz ela.
Em última análise, Muday espera que eles descubram que a trajetória do calor até a morte do pólen envolva muitos fatores além dos flavonóis e ROS — e haja então potencialmente muitos alvos para melhorias.
Enquanto isso, criadores de tomates e outras culturas já estão trabalhando para desenvolver cultivares que possam lidar melhor com o calor.
“Se os agricultores no noroeste do Pacífico ou nos estados montanhosos ou nas planícies altas vão plantar ervilhas, e o clima vai ser mais quente, então temos que ter ervilhas com mais tolerância ao calor”, diz a geneticista de plantas e criadora de pulses (leguminosas secas) Rebecca McGee, do Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos EUA, em Pullman, Washington.
A mesma onda de calor que atingiu a safra de Flansburg no ano passado dizimou as plantações de pulse (termo em latim “puls”, que significa algo como sopa grossa — incluem feijões, ervilhas, lentilhas e grãos-de-bico secos). As colheitas de lentilhas e ervilhas secas caíram para cerca de metade da produção média, enquanto as de grão-de-bico reduziram mais de 60%.
McGee está melhorando geneticamente algumas de suas ervilhas e lentilhas para serem mais resilientes a altas temperaturas e serem semeados no outono.
Mas em outros projetos, ela está adotando uma abordagem diferente e um tanto contraintuitiva: melhorar culturas para que possam suportar o frio. No norte dos EUA, os produtores normalmente plantam pulse na primavera.
A ideia é que estas cultivares sobrevivam ao inverno e, então, comecem a florescer no início do verão — dando a elas uma chance de polinizar com sucesso antes de uma onda de calor.
No ano passado, McGee liberou aos produtores de sementes uma quantidade limitada das três primeiras cultivares de ervilha de qualidade alimentar para serem semeadas no outono na sua região. E diz que elas florescem cerca de duas semanas mais cedo do que a maioria das ervilhas semeadas na primavera — e com o dobro da produção.
Na Universidade Estadual de Michigan, também nos EUA, Jenna Walters está estudando como a temperatura afeta o pólen — e os polinizadores — em uma plantação de frutas.
No fim de semana do Memorial Day (feriado americano celebrado na última segunda-feira de maio) de 2018, a temperatura no sudoeste de Michigan permaneceu em 35°C, enquanto as abelhas zumbiam entre cachos de delicadas flores brancas em arbustos de blueberry (mirtilo).
Na hora da colheita, muitos frutos estavam menores do que o normal ou não haviam se formado completamente.
Em um estado com uma produção média de cerca de 45.359 toneladas de mirtilo por ano, os produtores colheram apenas 29.937 toneladas.
A aluna de doutorado Walters, com dupla graduação em entomologia e ecologia, evolução e comportamento, está investigando o que deu errado. Ela começou identificando o limite de calor de um grão de pólen de mirtilo (blueberry). Os resultados, ainda não publicados, sugerem que em temperaturas acima de 35°C, o tubo polínico do mirtilo não cresce.
Exposição do pólen ao calor, por apenas quatro horas, é suficiente para causar danos permanentes, prejudicando a produção de alimentos
Walters também simulou uma onda de calor acentuada, expondo os grãos de pólen a temperaturas de 37,5°C por quatro horas, e depois baixando a temperatura para 25°C por mais 20 horas. A exposição ao calor, por apenas quatro horas. é suficiente para causar danos permanentes. Agora, está confirmando estes resultados em arbustos de mirtilo reais em câmaras de crescimento ajustadas para diferentes temperaturas.
Se as descobertas se confirmarem, a temperatura de 35°C pode fazer com que os produtores liguem periodicamente seus sistemas de nebulização para resfriar os campos.
No entanto, há contrapartidas. Muitos patógenos são espalhados por meio da alta umidade ou da água, especialmente durante o período de abertura das flores. E, enquanto a máquina de nebulização estiver ligada, a maioria dos polinizadores provavelmente não vai visitá-las. É possível que arbustos de mirtilo superaquecidos também possam levar a menos polinizadores de mirtilo com o tempo.
Walters e seus colegas estão comparando o conteúdo nutricional do pólen estressado pelo calor e não-estressado, procurando diferenças em proteínas, carboidratos e outros fatores que podem ser críticos para a saúde de uma abelha.
Neste ano, ela vai preencher oito gaiolas — de 1,8 m x 3,7 m com paredes de tela — com mais de duas dúzias de arbustos de mirtilo plantados em vasos em cada, além de algumas abelhas-azuis fêmeas, uma das muitas espécies de abelhas que polinizam as flores de mirtilo.
Durante quatro horas por dia, ao longo de quatro ou cinco semanas, ela vai sentar dentro das gaiolas e observar as abelhas botarem ovos e procurarem pólen em arbustos que, em metade das gaiolas, foram expostas ao estresse térmico no início da sua floração.
A preocupação, diz Walters, é que, se o calor estiver destruindo o pólen, o estresse nutricional vai fazer com que as fêmeas produzam mais ovos masculinos, que requerem menos pólen para serem produzidos. Mas, os machos das abelhas azuis são menos úteis para um produtor de mirtilo, já que apenas as fêmeas polinizam e põem ovos para dar início à próxima geração.
Para compensar a perda de pólen, Walters afirma que os produtores podem considerar plantar faixas de flores silvestres que são mais tolerantes ao calor e podem fornecer aos polinizadores nutrientes adicionais.
Há também algumas soluções tecnológicas. Westgate é o diretor científico da PowerPollen, uma empresa de tecnologia agrícola com sede em Iowa, nos EUA, focada em melhorar a polinização para produtores de sementes de milho híbridas — uma cultura na qual o pólen falha em temperaturas acima de 40°C.
Usando um dispositivo de coleta acoplado a um trator, a empresa coleta grandes quantidades de pólen maduro nos campos e armazena os grãos de pólen vivos em um ambiente controlado.
A PowerPollen volta a aplicar este pólen quando as condições climáticas favorecem a fertilização — normalmente no máximo cinco dias após a coleta.
A janela parece pequena, mas pode permitir que os agricultores evitem um dia especialmente quente. A empresa está trabalhando para estender este prazo e aplicar sua tecnologia a outras culturas.
Para alguns, uma solução mais simples pode ser mudar completamente as culturas.”Há pulses que crescem em climas tropicais, então pode ser que você escolha uma cultivar diferente”, diz Scholz, do Dry Pea and Lentil Council.
Mas, algumas pulses que resistem ao calor, ele observa, como favas e feijão fradinho, requerem mais umidade do que os agricultores de terras áridas do noroeste do Pacífico podem fornecer.
Flansburg, em Washington, não quer mudar. Ele continua esperançoso de que os esforços de melhoria genética o ajudem a continuar a plantar canola e outras culturas que sua família cultivou por gerações.
Existe um panorama geral de mudança climática que teremos que enfrentar e lidar, se quisermos continuar a alimentar as pessoas”, diz ele. “Só que tem um limite para a quantidade de calor que uma planta pode suportar.”
Da Redação ICL Economia
Com informações das agência de notícias e adaptação da *reportagem da Food & Environment Reporting Network, uma organização de notícias investigativas sem fins lucrativos, publicada originalmente pela Yale e360 e republicada com permissão pela BBC Future