Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Um dos fatos mais aguardados durante a semana passada foi a reunião do FOMC, o comitê de política monetária dos Estados Unidos. Nessa reunião, o futuro da taxa de juros básica norte-americana seria decidido. E, como era esperado, ocorreu uma alta bem substancial, de 0,75 ponto percentual, levando a taxa de juros para 2,5% ao ano. Isso faz parte das políticas do país na busca de tentar reduzir a inflação, que é um dos principais problemas econômicos hoje tanto lá quanto no resto do mundo.
Jerome Powell, presidente do FED, em seu discurso colocou que o grande problema da inflação do país era um descompasso entre oferta e demanda e que existia a necessidade de se elevar a taxa de juros para alcançar um equilíbrio entre as variáveis. Além disso, Powell falou que não havia ainda motivos para se preocupar com o ritmo da atividade econômica dos Estados Unidos, que os dados apontavam para um desemprego ainda muito baixo, o que fazia crer que o país ainda se encontrava com um certo crescimento, mesmo havendo uma queda do PIB no primeiro trimestre.
Mas chegou o dia seguinte e veio a dura realidade. O país entrou em recessão técnica, com uma segunda queda seguida do PIB, e o FED, que aumentou a taxa de juros durante todo o primeiro semestre, conseguiu seu objetivo implícito: reduzir tanto o nível de demanda que acabou gerando uma recessão. Esse não era, obviamente, o objetivo da instituição, mas aumentando a taxa de juros tantas vezes seguidas só poderia dar um resultado possível, uma queda brusca do nível de atividade econômica do país, ainda mais se levando em conta que os EUA apresentaram queda no PIB do primeiro trimestre.
Isso tudo em um cenário no qual obviamente a inflação não era resultado direto de uma demanda excessivamente aquecida ou de falta de oferta perante a demanda vigente. O estoque de produtos nunca foi tão alto no país, e as pessoas, mesmo empregadas, não estão consumindo no mesmo ritmo que consumiam antes da pandemia. Se existe um desequilíbrio é que falta demanda para consumir tantos bens estocados pelo comércio dos Estados Unidos.
A real causa da inflação nos Estados Unidos, como em quase todos os países do mundo, são as altas do custo dos combustíveis e alimentos, que vieram como resultado do conflito entre Rússia e Ucrânia. Conflito esse largamente apoiado pelo governo Biden, que injetou bilhões de dólares para fomentar o lado ucraniano da guerra. E, junto às sanções, viu o preço do petróleo, dos minérios, do gás e dos alimentos dispararem nos primeiros meses do ano. Então, se existe um culpado para esse caos inflacionário que tanto Estados Unidos como Europa vivem são as políticas desses próprios países, que, com suas atitudes perante a guerra, conseguiram elevar o custo de produção de quase todos os bens produzidos.
E aumentar a taxa básica de juros não vai fazer com que ocorra uma entrada maior de petróleo russo na Europa, nem vai fazer a Arábia Saudita elevar sua produção de petróleo para amenizar o custo da commodity no mundo. Ela só vai conseguir reduzir o nível de consumo e investimento interno do país. Em nada vai resolver a situação inflacionária, mas possui um elevado potencial de gerar recessão. Os Estados Unidos foram os primeiros a apresentar tal problema. Agora os olhos do mundo estão voltados para a Europa, para observar o resultado trimestral dos países da Zona do Euro.
Então a lógica de combate inflacionário, que vigora desde o começo dos anos 1990, de que se aumentar a taxa de juros é possível combater uma situação inflacionária elevada, se mostrou mais uma vez equivocada. Porém, dessa vez, as consequências foram maiores. É a primeira vez que, para gerar um combate inflacionário, os países centrais, de economia mais poderosa no Ocidente, estão levando suas economias para a recessão na busca do controle de preços. Isso é caso inédito, mas para quem vê esse assunto por mais de 10 anos, como é meu caso, sabia que uma hora isso ia acontecer.
O FED conseguiu fazer com que uma das economias que mostrava maior dinamismo no ano de 2021, com a recuperação da COVID, entrasse numa grande recessão, com duas quedas consideráveis do PIB em dois trimestres. O BCE (Banco Central Europeu) começou agora um movimento semelhante, de elevação de sua taxa de juros para tentar conter uma inflação obviamente de demanda. Os dados sobre os países europeus são igualmente preocupantes, o que faz com que tal atitude tenha possivelmente na Europa o mesmo potencial catastrófico que teve nos Estados Unidos.
A recessão que agora se observa nos Estados Unidos mostra o desastre que vem sendo o ano de 2022 no governo Biden, que tem sua política econômica replicada em quase toda a Europa atualmente. A busca por um gasto público mais vigoroso e novos estímulos econômicos foi trocada pela sanha de ver a Rússia como o novo inimigo a ser combatido e a política de aumento dos juros do FED. Essa combinação somente trouxe duas coisas para as economias centrais, inflação e desaceleração econômica. O resultado fica bem evidente, e, para variar, uma parcela gigantesca da população deve pagar a conta desse cenário inflacionário inconsequente, que deve levar boa parte do mundo para uma nova crise econômica.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira