Na segunda-feira passada (31), venceu a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), que proibia ações de despejo e reintegrações de posse durante a pandemia de Covid-19. Assim, ao menos 188 mil famílias podem ter que deixar suas casas, engrossando ainda mais o número de brasileiras e brasileiros em situação de rua. Mas esse número pode ser ainda maior.
Um levantamento feito por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), de junho passado, apontava que a população de rua cresceu no Brasil, em 2022, com 26 mil novas pessoas nessa situação. Os dados são do CadÚnico (Cadastro Único), do governo federal, que dá acesso a benefícios sociais. Hoje, no país, são mais de 180 mil indivíduos morando nas ruas, principalmente nas grandes metrópoles, como São Paulo.
Em junho de 2021, o ministro Barroso determinou a suspensão de ordens de desocupação de áreas habitadas antes de 20 de março de 2020, quando foi aprovado o estado de calamidade pública no país devido à pandemia. O argumento dele era “evitar que remoções e desocupações coletivas violem os direitos à moradia, à vida e à saúde das populações envolvidas”.
Em agosto deste ano, a maioria do plenário do STF prorrogou a suspensão até 31 de outubro – só votaram contra os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, com o vencimento da decisão, no dia 31, as ações poderiam ser retomadas no dia 1º de novembro.
De acordo com reportagem da BBC Brasil, nos últimos dias, partidos de esquerda e movimentos sociais pediram outra renovação, mas Barroso decidiu na segunda-feira liberar as ações. Ele determinou, no entanto, que Tribunais de Justiça nos Estados, além dos Tribunais Regionais Federais, criem comissões de mediação de conflitos fundiários para apoiar os juízes no cumprimento de ordens de reintegração de posse. O Ministério Público e a Defensoria terão de participar dessas reuniões.
Liberação das ações de despejos de inquilinos individuais agrava ainda mais problema social. Número de famílias sob risco deve ser maior
Segundo a reportagem da BBC Brasil, a decisão de Barroso liberou a retomada de despejos de inquilinos individuais e também autorizou a retomada de desocupações coletivas de áreas ocupadas por movimentos de moradia e que tenham decisões judiciais de reintegração.
Ainda segundo a reportagem, o número de pessoas sob risco de despejo pode ser ainda maior que as 188 mil famílias. Isso porque a “Campanha Despejo Zero”, que reúne organizações e movimentos sociais que atuam contra o despejo forçado de pessoas, compila apenas o número de famílias em risco de desocupações coletivas, tanto de áreas públicas como particulares. Portanto, os despejos individuais não são compilados.
Além disso, esse número pode ser ainda subestimado, uma vez que levantamento feito pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG apontou que metade delas não tem registro no CadÚnico, o caminho pelo qual podem ter acesso aos programas de benefícios do governo federal, como o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Dados mostrados pela reportagem mostram que o Sudeste é a região com maior número de famílias ameaçadas com as ações de despejo e reintegração de posse (80 mil). Depois vem o Nordeste, com 51 mil; Norte, com 49 mil; Centro-Oeste, 29 mil; e Sul, com 18 mil. O estado de São Paulo, com 64 mil famílias ameaçadas de despejo, será o mais afetado pela decisão do STF. Há ao menos 80 ocupações com ordens imediatas de reintegração de posse em São Paulo.
Entrevistada pela reportagem da BBC Brasil, Raquel Ludenin, da “Campanha Despejo Zero”, disse que o despejo tem impactos materiais e psicológicos para os membros de uma família. “O despejo é devastador para uma família. Significa não ter um teto, não ter onde colocar suas coisas, não ter para onde voltar no fim do dia. Mas também há um impacto psicológico: o medo e a incerteza de ter de acordar no meio da noite e não ter para onde ir. Nós sabemos que as crianças dessas famílias perdem acesso à educação, ao sistema de saúde e de assistência social”, disse.
Para piorar a situação, no Orçamento enviado ao Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último domingo, reduziu para apenas R$ 34,1 milhões o montante destinado ao programa habitacional Casa Verde e Amarela em 2023, queda de 95% do valor deste ano.
Redação ICL Economia
Com informações da BBC Brasil