Apple, Microsoft, Amazon e Google estão entre gigantes que compraram ouro ilegal do Brasil

O Brasil não dispõe de mecanismos confiáveis de rastreabilidade do ouro. Assim, há risco de se certificar metal contaminado por violações de direitos humanos em terras indígenas
26 de julho de 2022

As gigantes de tecnologia Apple, Amazon, Google e Microsoft podem ter usado ouro ilegal extraído de terras indígenas, na Amazônia, em seus componentes eletrônicos. Em documentos exigidos nos EUA, as quatro empresas listaram como fornecedoras as refinadoras Chimet (italiana) e Marsam (brasileira). Ambas são alvos de investigações por autoridades brasileiras.

A revelação foi feita na segunda-feira (25) pelo site Repórter Brasil. De acordo com a investigação da reportagem, os metais de origem ilegal foram adquiridos pelas empresas de tecnologia, em 2020 e 2021.

Tanto Chimet quanto Marsam são investigadas pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF). A italiana, inclusive, entrou na mira das autoridades por supostamente obter ouro de garimpos clandestinos da terra Indígena Kayapó, no Pará, de uma companhia chamada CHM do Brasil.

As entidades apontam que, mesmo sendo certificadas e consideradas aptas para vender ouro nos Estados Unidos e Europa, Chimet e Marsam compravam, de maneira indireta, o ouro que foi extraído ilegalmente de territórios demarcados no Brasil.

As refinadoras aparecem na lista de fornecedores de Apple, Microsoft, Amazon e Alphabet, enviada à Comissão de Valores Mobiliários (SEC) dos Estados Unidos. Mesmo os documentos servindo para prevenir negociações com “minérios de conflito”, ou seja, advindos de áreas de risco, eles acabaram não impedindo a aquisição do ouro brasileiro.

Empresas listadas na bolsa de valores estadunidense devem informar anualmente se usam em suas cadeias produtivas os chamados “minérios de conflitos” (ou minérios oriundos de áreas de risco), exigência criada por uma lei aprovada em 2010 por conta da guerra civil da República Democrática do Congo, onde a exploração mineral ainda financia grupos armados.

O uso do metal vai além das joias e das barras compradas por grandes bancos: produtos eletrônicos responderam por 37% do ouro usado nos Estados Unidos em 2019, de acordo com o Sumário de Commodities Minerais, elaborado pelo Serviço Geológico dos EUA.

O setor mineral mundial conta com diversas regulações. Companhias que atuam no mercado precisam ser certificadas, sendo que no caso de Chimet e Marsam, elas são certificadas pela The London Bullion Market Association (LBMA) e Responsible Minerals Initiative (RMI).

Uso de ouro ilegal alimenta conflitos em território brasileiro

Contudo, apesar de as certificadoras terem o objetivo de combater violações de direitos humanos e danos ambientais, tanto LBMA quanto RMI não consideram o Brasil como área de risco, mesmo com os crescentes casos de violência em áreas de garimpo. Enquanto as quatro principais empresas de tecnologia lucraram, juntas, US$ 74 bilhões somente no quarto trimestre de 2021 (quase duas vezes o PIB anual de Camarões), elas parecem não se preocupar com a real origem do ouro que utilizam – nem com os conflitos que ele pode estar alimentando em território brasileiro.

“Tanto a SEC quanto as empresas americanas fecham os olhos para a origem do ouro que chega ao país”, afirmou Payal Sampat, diretora do programa de mineração da Earthworks, organização com sede em Washington D.C., que trabalha com os impactos da atividade, em entrevista para o Repórter Brasil.

Rodrigo Oliveira, assessor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental), lembrou de um estudo realizado em conjunto pelo Centro de Sensoriamento Remoto e Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (ambos da UFMG) e MPF, que aponta que quase 30% do ouro extraído no Brasil tem origem ilegal.

“O Brasil não dispõe de mecanismos confiáveis de rastreabilidade do ouro, por isso há um risco grande de se certificar metal contaminado por violações de direitos humanos em terras indígenas da Amazônia”, argumentou o assessor jurídico.

Só Apple respondeu à reportagem sobre uso do ouro ilegal

Das quatro big techs mencionadas na reportagem, só a Apple respondeu aos pedidos da Repórter Brasil para comentar o assunto. A companhia disse que seus padrões de fornecimento “proíbem estritamente o uso de minerais extraídos ilegalmente”. Dois meses depois do primeiro contato, a reportagem voltou a procurar a Apple, que afirmou, em nota, ter removido a Marsam da lista de fornecedores. A Chimet, no entanto, permanece apta.

Google, Microsoft e Amazon disseram que não comentariam, mas não negaram terem comprado da Chimet e da Marsam.

De acordo com a reportagem, apesar do silêncio das três gigantes da tecnologia, os relatórios entregues ao governo estadunidense revelam as melhores intenções de sustentabilidade, transparência e responsabilidade socioambiental.

Em seu relatório, a Amazon disse: “Estamos comprometidos em evitar o uso de minerais que incitaram conflitos e esperamos que nossos fornecedores apoiem nossos esforços para identificar a origem do ouro, estanho, tungstênio e tântalo, usados ​​em produtos que fabricamos ou contratamos para fabricar”.

Já a Microsoft afirma ter uma “abordagem holística para o fornecimento responsável de matérias-primas, enquanto trabalha para o uso de minerais que não são oriundos de áreas de conflito em seus dispositivos”.

A Alphabet, controladora do Google, explica no relatório anual que se envolve ativamente com a RMI e que analisa e monitora as respostas dos fornecedores para além do preenchimento do relatório-modelo da associação. “Fizemos o acompanhamento para identificar informações incompletas ou inconsistentes em relação às informações que esperaríamos do fornecedor”, disse a empresa no documento.

Redação ICL Economia
Com informações do site Repórter Brasil

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