Cerca de uma em cada cinco famílias chefiadas por pessoas autodeclaradas pardas ou pretas no Brasil sofre com a insegurança alimentar. Os percentuais correspondem a, respectivamente, 17% e 20,6%, praticamente o dobro em comparação aos lares chefiados por pessoas brancas (10,6%). Nos lares chefiados por mulheres pardas ou pretas, a situação é ainda pior: 22% dessas famílias sofrem com a fome, quase o dobro em relação a famílias comandadas por mulheres brancas (13,5%).
Os dados foram obtidos pelo recorte de raça e gênero do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), divulgado nesta segunda-feira (26). A pesquisa teve os primeiros resultados publicados em junho de 2022.
O VIGISAN é uma realização da Rede PENSSAN com dados obtidos pelo Instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, com apoio das organizações Ação da Cidadania, ActionAid, Ford Foundation, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc São Paulo.
Os novos dados apresentados pelo II VIGISAN dão uma dimensão mais exata da fome no Brasil, que atingiu 33,1 milhões de pessoas em 2022.
Pelos critérios da pesquisa, um domicílio com segurança alimentar (SA, pela sigla usada pelos pesquisadores) é aquele com acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
No lado oposto, a Insegurança Alimentar (na sigla, IA) foi dividida em três esferas de intensidade, que vão de leve a grave, e uma extra que junta os piores tipos de vulnerabilidade.
“A situação de insegurança alimentar e fome no Brasil, que foi denunciada ao mundo pelo II VIGISAN, em 2022, ganha maior nitidez agora. A falta de alimentos e a fome são maiores entre as famílias chefiadas por pessoas negras, principalmente mulheres negras. Precisamos urgentemente reconhecer a interseção entre o racismo e o sexismo na formação estrutural da sociedade brasileira, implementar e qualificar as políticas públicas tornando-as promotoras da equidade e do acesso amplo, irrestrito e igualitário à alimentação”, afirma a professora Sandra Chaves, coordenadora da Rede PENSSAN.
A pesquisa realizou entrevistas presenciais, entre novembro de 2021 e abril de 2022, com 12.745 domicílios de 577 municípios brasileiros. Foram contempladas áreas urbanas e rurais de todas as regiões do país.
Apenas 30,1% dos lares chefiados por mulheres negras não sofre algum tipo de insegurança alimentar no Brasil
O relatório da pesquisa diz que a “a IA moderada + grave foi encontrada em 34,4% dos lares chefiados por pessoa parda e em 39,1% daqueles onde uma pessoa preta era a referência”, enquanto a “IA grave, que pode ser traduzida em fome, foi mais frequente em lares chefiados por pessoas pretas (20,6%), seguidas de pardos (17%) e brancos (10,6%)”.
Mas, como antecipou a coordenadora da pesquisa, no recorte de gênero, o levamento mostra que a situação é muito pior nos lares chefiados por mulheres pretas. Apenas 30,1% dos domicílios chefiados por elas não sofrem com algum tipo de insegurança alimentar no Brasil.
Na sequência estão os domicílios chefiados por homens negros: 39,7% de segurança alimentar, enquanto aqueles chefiados por mulheres brancas tem 47,5% e por homens brancos, 58,3%.
O levantamento também mostrou que nem mesmo ter mais escolaridade protegeu as mulheres pretas de melhorar a situação.
Um terço delas (33%), com oito ou mais anos de estudos, sofrem com insegurança alimentar moderada ou grave, comparado com 21,3% de homens negros, 17,8% de mulheres brancas e 9,8% de homens brancos.
Mas entre aquelas que estudaram menos do que oito anos, o percentual de domicílios com segurança alimentar perde cerca de 7 pontos percentuais em relação à média e cai para apenas 23,8%.
“Nos domicílios chefiados por pessoas sem escolaridade ou com menos de 8 anos de estudo, destacamos as elevadas prevalências de IA moderada e grave em lares chefiados por mulheres”, diz o relatório.
Lares com crianças em casa têm menos comida na mesa
A fome foi uma realidade para 23,8% das famílias que tinham crianças menores de 10 anos de idade e eram chefiadas por mulheres negras.
Nesse grupo, apenas 21,3% dos lares encontravam-se em segurança alimentar, menos da metade do que foi encontrado nos lares chefiados por homens brancos (52,5%) e quase metade do que ocorre nos domicílios chefiados por mulheres brancas (39,5%).
O estudo também mostra que a situação de emprego e trabalho também influenciou a segurança alimentar das famílias no final de 2021 e início de 2022, segundo a cor da pele autodeclarada da pessoa responsável.
Naqueles em que havia desemprego ou trabalho informal, a fome se fez presente na metade dos lares chefiados por pessoas negras, comparado com um terço dos lares chefiados por pessoas brancas. Na condição de desemprego, a insegurança alimentar grave, ou seja, a fome, foi mais frequente em domicílios chefiados por mulheres negras (39,5%) e por homens negros (34,3%).
Quando a pessoa responsável pelo domicílio tinha emprego formal, e a renda mensal familiar era superior a 1 salário mínimo per capita (SMPC), a segurança alimentar se fez presente em 80% dos lares chefiados por pessoas brancas e em 73% dos chefiados por pessoas negras.
Redação ICL Economia
Com informações da Rede Penssan