Cinco instituições financeiras estão sob suspeita de ‘esquentar’ ouro extraído de garimpo ilegal em terras indígenas

As informações constam de estudo elaborado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais. com metodologia criada em parceria com o Ministério Público Federal para traçar o fluxo do ouro extraído de modo irregular
8 de fevereiro de 2023

Ao menos cinco DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários) estão sob suspeita de comercializarem ouro extraído pelo garimpo ilegal em terras indígenas brasileiras. O metal extraído de maneira irregular pelo garimpo é legalizado no sistema financeiro por essas instituições, que podem se especializar em compra e venda de ouro e operam com autorização do Banco Central.

As informações constam de estudo denominado Boletim Ouro, com dados desde 2019, elaborado pelos pesquisadores Bruno Manzolli e Raoni Rajãoe e publicado pelo CSR/UFMG (Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais). A metodologia foi criada em parceria com o Ministério Público Federal para traçar o fluxo do ouro extraído pelo garimpo.

Conforme reportagem da Folha de S.Paulo, a DTVM é um elo vital na cadeia de legalização de ouro retirado de terras indígenas e áreas de reserva pelo garimpo ilegal. Os trâmites nesse tipo de operação funcionam da seguinte maneira: o garimpeiro irregular apresenta uma permissão de lavra forjada a essas instituições e, em contrapartida, saem com a nota fiscal que torna o produto legal para ser transportado e negociado.

Ainda segundo a Folha, um dos locais que concentra DTVMs e outras empresas dedicadas ao setor é Itaituba (PA). O Boletim do Ouro, por exemplo, identificou que praticamente sete toneladas de ouro extraído pelo garimpo ilegal  entre janeiro de 2021 e junho de 2022 foram “esquentadas” por cinco DTVMs e um laboratório. Os pesquisadores não divulgam os nomes, porque as empresas estão sob investigação de diferentes autoridades.

Embora não seja objeto principal, o estudo deixa claro o avanço do garimpo irregular sobre terras indígenas ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL), situação que foi escancarada no mês passado, com a crise humanitária da terra yanomami, em Roraima, por conta do avanço de garimpeiros. A atividade ilegal tem contaminado rios e promovido escassez de alimentos, matando crianças e adultos dessa etnia de fome.

O estudo dos pesquisadores da UFMG mostra que, no último um ano e meio, pelo menos 30% do total das 158 toneladas produzidas no Brasil é irregular, sendo 35,7 toneladas potencialmente ilegais e outras 10,5 toneladas ilegais.

A produção ilegal do metal precioso concentra-se em três cidades do Pará – além de Itaituba, Cumaru do Norte e Novo Progresso -, com acúmulo de 98% das 10,5 toneladas irregulares. Itaituba aparece em primeiro lugar, com 75% do total.

No caso específico do território yanomami, dividido entre o noroeste de Roraima e o norte do Amazonas, ele virou alvo preferencial do garimpo irregular devido ao potencial de minérios valiosos para a indústria, principalmente a eletroeletrônica e de transição energética. São  9,6 milhões de hectares (equivalente ao estado de Santa Catarina) de terrenos ancestrais, que abrigam ouro, cobre, zinco, níquel, platina e uma série de outros metais importantes.

Documento mostra que negócios do garimpo ilegal na Amazônia concentram-se em quatro DTVMs

Outro estudo, elaborado pelo Instituto Escolhas, identificou a concentração de operações suspeitas em um número pequeno de instituições. Trata-se do trabalho “Raio X do Ouro: Mais de 200 toneladas podem ser ilegais”, do Instituto Escolhas. O levantamento destacou que na Amazônia os negócios dos garimpeiros clandestinos estavam concentrados em quatro DTVMs, e cita nominalmente F.D’Gold, a OM (Ourominas), a Parmetal e a Carol4.

Segundo a reportagem da Folha, entre 2015 e 2020, essas empresas teriam movimentado um terço de todo o volume de ouro com indícios de ilegalidade detalhados no estudo (79 toneladas). “Isso significa que 87% de suas operações são duvidosas”, afirma o estudo.

Mais ao final do período analisado, diz o levantamento, uma quinta DTVM teria passado a movimentar ouro com indícios de irregularidades, a Fênix.

O dono da F.D Gold, o político e empresário Dirceu Santos Frederico Sobrinho, chegou a ser preso numa investigação da Polícia Federal sobre ouro ilegal. Ele foi filiado ao PSDB e, em 2018, concorreu como primeiro suplente do senador Flecha Ribeiro, pelo estado do Pará. Em maio do ano passado, ele assumiu que a F.D’Gold era dona de 78 kg de ouro apreendidos na operação da PF, em Sorocaba (SP). A carga estava em malas de viagem e despertou atenção por ser escoltada por policiais militares do estado de São Paulo. Sobrinho garantiu que o ouro era legal.

Com base nos dados do Instituto Escolhas, que elabora estudos sobre, entre outros temas, a mineração irregular no país, o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) solicitou investigação à CVM (Comissão de Valore Imobiliários). A solicitação vazou em janeiro passado, após a crise humanitária dos yanomami ganhar projeção mundial.

No STF (Supremo Tribunal Federal) também tramita ação de autoria do PV para questionar trecho da lei das DTVMs relativo à aquisição de ouro produzido em áreas de garimpo.

Procuradas pela reportagem da Folha de S.Paulo, três das cinco DTVMs negaram ilícitos e questionaram o estudo que aponta a irregularidade. As outras duas não responderam à reportagem.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo

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