Alvo de críticas do mercado financeiro por não ver justificativas plausíveis para os juros altos no Brasil, parte dos agentes dessa entidade impalpável, mas que pauta a vida do mundo capitalista, começa a se curvar às falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com o peso de quem está no terceiro mandato presidencial, o petista sabe do que está falando. Ele e sua equipe vinham dizendo que manter a taxa básica de juros (Selic) no patamar de 13,75% não se justifica em um país com inflação menor que 6% ao ano e com tanto a ser feito depois da terra arrasada deixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Agora, com o risco iminente no mercado de crédito, alguns analistas começam a engrossar o coro de Lula.
Segundo o economista e comentarista do ICL Notícias André Roncaglia, em artigo publicado ontem (9) na Folha de S. Paulo, no início, o mercado entendia que o maior risco à economia brasileira “era exclusivamente fiscal” e “isso permitia entrincheirar a postura de cobrar do governo indicações de responsabilidade fiscal”. No entanto, percebeu-se o risco real: uma crise de crédito no país.
A fraude contábil da Americanas impactou o cenário macroeconômico, aumentando a aversão a risco dos bancos e deixando-os mais criteriosos para empréstimos. “O encarecimento agudo do crédito agrava a fragilidade financeira da economia. As empresas precisam gastar cada vez mais recursos para honrar suas despesas financeiras. Nessa situação, o estopim que converte a fragilidade em crise pode ser um choque adverso —por exemplo, uma desvalorização abrupta da taxa de câmbio causada por eventos externos. Como uma crise financeira assusta muito mais do que inflação acima da meta, o BC se vê obrigado a reduzir a taxa de juros e acionar outros instrumentos para conter pressões inflacionárias. Traduzindo: a Selic vai ter de cair na marra”, afirma Roncaglia, que diz mais à frente: “o governo tem na mão a capacidade de arbitrar o tamanho da queda da taxa de juros, ganhando espaço fiscal sem gerar temores nos desconfiados, pelo menos até a discussão do Orçamento de 2024, em agosto. O jogo virou. É hora de aproveitar a oportunidade”.
Reportagem do Estadão/Broadcast ouviu economistas sobre a expectativa de queda da taxa básica de juros mais cedo que o esperado anteriormente, principalmente devido ao risco de piora do mercado de crédito com a crise da Americanas e em meio à desaceleração já contratada para a atividade econômica. Isso, na visão de analistas, pode corresponder ao aceno “técnico” de que o Banco Central precisa para começar a cortar os juros.
A autoridade monetária mantém os juros em patamares elevados sob a justificativa de controlar a inflação. Nesta sexta-feira (10), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficou em 0,84% em fevereiro. No ano, a inflação oficial acumula alta de 1,37% e, nos últimos 12 meses, de 5,60%, abaixo dos 5,77% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em fevereiro de 2022, a variação foi de 1,01%. Resta saber como esse dado vai pesar na decisão a ser divulgada pelo Copom (Comitê de Política Monetária) na reunião deste mês.
De acordo com a reportagem do Estadão/Broadcast, os bancos Alfa e Fibra anteciparam as expectativas de início do ciclo de cortes, citando o risco de piora do mercado de crédito. Por exemplo, o Fibra diminuiu a sua projeção de Selic no fim de 2023 para 12,5%, incorporando à estimativa de cinco cortes de 0,25 ponto porcentual a partir de junho.
A projeção do banco está um pouco abaixo do que projetaram as instituições financeiras ouvidas no último Boletim Focus do BC, de que a Selic deve fechar 2023 em 12,75% ao ano.
Em relatório interno, o economista-chefe do Fibra, Cristiano Oliveira, atribui a mudança da projeção ao aperto das condições financeiras do país, que pode ser amplificado por problemas de crédito em “algumas empresas varejistas”. “[Isso] justifica maior atenção do BC para a intensidade da desaceleração da atividade econômica que está sendo contratada neste momento e, certamente, irá desacelerar ainda mais a demanda e a inflação de preços livres”. O cenário básico do banco indica desaceleração do crescimento do PIB a 1,0% este ano ante os 2,9% de 2022.
Anúncio do novo arcabouço fiscal será termômetro importante para antecipação de corte de juros altos pelo BC
Na próxima semana, o presidente Lula deve receber das mãos de sua equipe econômica o projeto da nova regra fiscal que vai substituir o teto de gastos, que limita o aumento de despesas do governo à inflação passada. Ontem (9), a ministra de Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse que o projeto agradará a todos. “É um arcabouço fiscal responsável, preocupado com a responsabilidade fiscal, com o déficit primário, com a estabilização da dívida/PIB, mas atendendo um pedido justo do presidente da República, porque assim que é a democracia brasileira, que temos que ter recursos necessários para o Brasil voltar a crescer”, disse.
Na avaliação do economista do banco Fibra, o mais provável é que a nova proposta de arcabouço fiscal seja menos dura que o teto de gastos, o que pode fazer com que o mercado precifique incerteza no cenário, de forma a manter a curva de juros futuros inclinada. Ao mesmo tempo, a desancoragem das expectativas impedirá a convergência da inflação a 3% no médio prazo.
“O mercado de juros deve continuar sendo o principal termômetro de risco macroeconômico e o spread entre os vértices curtos e longos deve continuar elevado, limitando o efeito da queda da taxa básica de juros”, afirma o economista ao Estadão/Broadcast.
Por sua vez, o economista-chefe do Banco Alfa, Luís Otávio de Souza Leal, antecipou de setembro para junho o início do ciclo de cortes da Selic, também devido à piora dos dados de crédito. No entanto, ele projeta o corte em ritmo mais baixo – em vez de 0,5 ponto percentual, 0,25 p.p., também em 12,5% ao fim de 2023.
Somado a isso, ele prospectou que a reoneração de combustíveis e a nova regra fiscal podem levar o BC a sinalizar que a redução dos juros será já na próxima reunião do Copom, no dia 22 de março. “Parece que o caminho do impacto da política monetária sobre o mercado de crédito está bem encaminhado, seja pelo canal tradicional, seja por uma ‘ajudinha extra’ do caso Americanas”, disse ele no relatório semanal de macroeconomia do Alfa.
Leal lembrou ainda que já se observa um aumento da inadimplência e do spread no crédito para pessoas físicas e que a tendência é de piora também para as empresas.
Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo