O mercado financeiro viveu um dia de histeria ontem (10), quando foi divulgada, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a volta da inflação no positivo (+0,59), após três meses de deflação. O que vem sendo chamado por alguns como “chilique do mercado”, no entanto, foi turbinado por um discurso emocionado do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, onde tem funcionado o QG do governo de transição. Lula disse: “Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que, toda hora, as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país?”. O discurso de Lula foi a deixa para a Ibovespa cair 3,35% e o dólar subir 4,10%, a R$ 5,394.
Mesmo com todas as credenciais conferidas por seus dois mandatos à frente da Presidência da República, com olhos para o social e para a responsabilidade fiscal, o mercado exerce certa pressão sobre Lula, algo que não se viu ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL), mesmo com toda a inépcia demonstrada na condução da economia e os constantes furos no teto de gastos (instrumento fiscal que limita o aumento de gastos) para implementar suas políticas eleitoreiras.
Ao longo de sua campanha, Lula deixou claro que daria prioridade ao combate à fome, que aflige 33 milhões de brasileiros. Em seu primeiro governo, em 2002, o petista também teve como meta principal levar comida à mesa de milhares de brasileiros. E, graças às medidas implementadas ao longo dos governos petistas, o país saiu do Mapa da Fome, mas voltou recentemente. Contudo, parece que o problema não aflige o mercado.
Em entrevista recente concedida à Globonews, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e conselheiro de Lula para assuntos econômicos, disse que o terceiro mandato do petista deve seguir o mesmo modo austero como ele geriu as contas públicas, sem prejuízo, no entanto, a investimentos em áreas sociais, uma marca dos governos do PT.
“Eu acompanhei não só (o governo) Lula 1, mas o Lula 2 também. Tivemos superávit primário todos os anos, com crescimento médio de 4%. Então eu vi muita gente dizendo, muitos economistas dizendo que, nos últimos anos, o gasto público cresceu mais do que o PIB (Produto Interno Bruto), o que é uma impossibilidade porque teve o superávit primário. O Lula é uma pessoa preocupada com a responsabilidade fiscal, mas dentro de um padrão em que ele reconhece os movimentos cíclicos da economia capitalista”, disse Belluzzo, que deu razão a Lula por estar preocupado com a fome e a pobreza no país.
Depois da reação dos agentes financeiros, o presidente disse que o “mercado fica nervoso à toa”, e não sem razão. Na verdade, além da fala de Lula, pesou o fato de ter sido anunciado o nome de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, para compor o grupo do Planejamento e Orçamento da equipe de transição.
Mas, no começo da tarde desta sexta-feira (11), o mercado parece ter mudado de humor. Lula ainda não indicou a equipe econômica, mas a bolsa operava em alta e o dólar, em queda, a exemplo do que aconteceu logo após o resultado do segundo turno, que deu a vitória ao petista.
Reação ao discurso de Lula indica que mercado quer pressionar governo a escolher equipe econômica, diz economista do ICL
“É inacreditável como uma frase em que o futuro presidente do Brasil diz que tem como missão principal acabar com a fome gera tanta confusão”, disse o economista Eduardo Moreira, na edição de hoje do ICL Notícias, programa diário no YouTube.
Na opinião dele, quem criticou o discurso de Lula se esqueceu do histórico do petista, que também enfrentou a fome e muitas dificuldades na infância, perdeu a esposa devido à patrulha midiática, ficou 580 dias preso injustamente e, nesse período, perdeu um neto de sete anos e um irmão. O petista foi alvo de 26 processos, sendo que todos foram anulados, suspensos, rejeitados ou arquivados.
Para Moreira, o que o mercado quer quando reage dessa forma é “criar o caos para, número 1, escolher quem vai ser o ministro da Economia, e número 2, fazer a taxa de juro real se manter alta, porque ganham dinheiro com rentismo”, disse.
O economista, que tem experiência de 20 anos no mercado financeiro, ainda minimizou a queda da bolsa e a alta do dólar ontem. “Foi um dia ruim, mas não foi um crash (quando tem quebradeira total). Só para termos uma ideia, houve dias em que a bolsa caía 12, 13 e 14% durante a pandemia. Antes do Lula falar, o mercado já tinha caído e por quê? Porque voltou a inflação, porque aquela tese que todo mundo negava e que a gente falava aqui, de que existia uma farsa para mostrar que a economia estava bem, estava bombando, não existia”, pontuou.
A respeito da austeridade fiscal apregoada pelo mercado, Moreira avalia que ela não faz sentido no momento. “Nós temos um problema sério no Brasil: milhões de pessoas que não podem esperar. Tem uma frase do Betinho (o sociólogo Herbert de Souza) que diz, ‘quem tem fome, tem pressa’. Me perdoe, mas negar essa frase é perder completamente a condição humana de compaixão, empatia e misericórdia”, disse.
Em seu terceiro mandato, ele sugeriu que a equipe de Lula apresente um programa de investimentos na área social e em setores da economia (agro, industrial e de serviços), mostrando investimentos que tragam às pessoas a confiança de que o Brasil vai crescer num ritmo maior do que cresce o endividamento, ou seja, manter a correlação dívida/PIB equilibrada.
Ainda sobre o que ocorreu ontem, Moreira disse que, quando o mercado reage dessa forma, a taxa de juros futura e a spot (a do dia, que garante liquidez imediata) explodem ampliando a margem do juro real (descontada a inflação), fazendo com que aumentem os ganhos dos investidores. “É o famoso rentismo. É o que você ganha em casa tomando cerveja e assistindo à televisão, que é o que essa turma quer”, frisou.
Moreira defende a linha progressista adotada pelo governo Lula, de fazer fluir o dinheiro nas camadas mais pobres, pois isso gera aumento do consumo, possibilita que essas pessoas montem pequenos negócios fazendo a economia girar de modo constante e sustentável. “Agora, o que o rico quer é que o dinheiro entre para ele e goteje nos mais pobres”, criticou.
Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias