Na contramão do otimismo propagado pelo governo, mercado de trabalho não recuperou níveis pré-pandemia

Para especialistas, com a precarização do mercado de trabalho e da renda, muitas pessoas preferiram entrar na fila do Auxílio Brasil a buscar uma oportunidade de emprego
13 de outubro de 2022

Durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, tem tentado mostrar que o mercado de trabalho brasileiro está bombando, mas a história não é bem assim. Se, por um lado, as pesquisas indicam que houve diminuição na taxa de desemprego, por outro, mostram que grande parte das vagas criadas são de trabalho informal. Além disso, dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que o mercado de trabalho brasileiro ainda não recuperou os números pré-pandemia de Covid-19.

No trimestre até agosto de 2019 – portanto, antes da crise sanitária -, a taxa de participação no mercado de trabalho estava em 63,7%, segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE. Agora, no mesmo período deste ano, o indicador alcançou 62,7%, ou seja, permanece abaixo do que estava no período pré-pandemia.

A partir da adoção de medidas restritivas para frear o coronavírus, a taxa chegou a cair para 57% em igual período de 2020. Os dados foram publicados na edição de ontem (12) da Folha de S.Paulo. Ao passo que a vacinação para conter a disseminação da doença foi avançando, a taxa de ocupação foi crescendo a partir de 2021 até 2022. Mas, apesar da alta nos últimos meses, ainda está 1 ponto percentual abaixo do nível pré-pandemia.

O indicador do IBGE mede a proporção de pessoas de 14 anos ou mais que estão inseridas na força de trabalho como ocupadas (com algum tipo de trabalho) ou desempregadas (à procura de vagas).

Recentemente, uma pesquisa da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) mostrou que, no Brasil, 38,7 milhões de pessoas vivem em lares sem qualquer renda de trabalho, nem mesmo informal. Elas representavam 17,9% da população em 2021, o segundo maior patamar já registrado desde 2012. Só perde para 2020, quando o isolamento social para evitar a propagação da pandemia impediu que parte relevante dos trabalhadores, principalmente os informais, conseguisse trabalhar.

Isso significa que a situação de grande parcela da população brasileira continua difícil e, portanto, em uma realidade muito descolada do mundo fantástico que o governo quer demonstrar.

Dados da Pnad mostram que, no trimestre até agosto deste ano, o contingente de pessoas ocupadas com algum tipo de trabalho alcançou 99 milhões, enquanto o número de desempregados recuou para 9,7 milhões, menor nível desde novembro de 2015 (9,3 milhões), quando a economia brasileira atravessa recessão.

Na opinião de economistas, o Auxílio Brasil pode ter adiado o retorno do trabalhador ao mercado de trabalho tão precarizado

Um dos efeitos da pandemia de Covid-19 foi paralisar aqueles que buscavam uma vaga quando a crise sanitária teve início, oficialmente em março de 2020. Além de ter destruído empregos, as restrições sanitárias impostas fizeram com que muitos trabalhadores desempregados deixassem de buscar uma vaga, o que significa que muitos deles podem não ter ainda retornado ao mercado de trabalho.

De acordo com a reportagem da Folha de S.Paulo, no trimestre até agosto, havia 64,6 milhões de pessoas fora da força de trabalho no país, número que ficou 5,8% acima do registrado em igual trimestre de 2019 (61,1 milhões).

Para ser considerada desempregada nas estatísticas oficiais, a pessoa tem que estar buscando uma vaga. Já a população fora da força envolve aqueles que estavam sem emprego e não buscavam outras oportunidades.

O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), disse à Folha que uma parcela dos trabalhadores mais vulneráveis pode ter adiado a volta ao mercado devido à ampliação do Auxílio Brasil neste ano eleitoral. “Pessoas saíram e ainda não voltaram para o mercado de trabalho. Pode ter a questão do Auxílio Brasil.”

Com o rendimento médio de R$ 2.713 até agosto, o segundo menor da série para esse trimestre, acima apenas do verificado em 2012 (R$ 2.690), e a precarização das vagas oferecidas, é quase natural que quem estivesse desempregado tenha visto no auxílio uma forma imediata de solucionar os problemas de renda.

O economista Carlos Lopes, do banco BV, incluiu ainda outros dois elementos, além do auxílio, nas razões. “O segundo fator é que a pandemia pode ter feito com que pessoas próximas da inatividade tomassem a iniciativa de parar [de trabalhar]. Um terceiro fator seria alguma mudança estrutural relacionada com o período da pandemia, o que a gente ainda não sabe”, disse à Folha.

A economista Patrícia Pelatieri, diretora adjunta do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), também concorda que a transferência de renda via Auxílio Brasil até pode ter segurado em casa parte dos trabalhadores vulneráveis. Porém, isso seria algo mais pontual, de acordo com ela.

Pelatieri avalia que a taxa de participação segue abaixo dos níveis pré-pandemia principalmente em razão de fatores como o “desencanto” com as oportunidades disponíveis no mercado de trabalho. Nesse sentido, ela enxerga criação de vagas com menor qualidade nos últimos trimestres.

Estudo recente do próprio Dieese apontou que a ocupação tem aumentado especialmente em posições que requerem menos escolaridade e que pagam menores salários. Além disso, como os cuidados com a família e os lares recaem mais sobre as mulheres, isso dificulta a participação maior delas no mercado de trabalho.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo

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