O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que o Banco Central não terá espaço para praticar uma política monetária mais frouxa com a mudança no regime de metas de inflação a partir do ano que vem. “A política fiscal, em particular no Brasil, sempre adotou regras muito restritivas ou até punitivas. […] No caso da política monetária, essa não é a prática comum”, disse Mello ao jornal Folha de S.Paulo.
Na avaliação dele, a maior punição que o Banco Central pode sofrer é a perda de credibilidade. Por isso a sua observação de que afrouxar a política monetária não está no horizonte da autarquia, responsável por definir a taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 10,50% ao ano.
No mês passado, o governo federal publicou decreto que institui alterações no sistema de meta de inflação. A partir de 2025, valerá a meta contínua, sem vinculação ao ano-calendário (janeiro a dezembro de cada ano) que existe desde 1999.
Pelo texto, o BC descumprirá a meta caso a inflação fique fora do teto do alvo por seis meses consecutivos. Anteriormente, o cumprimento ou descumprimento da meta de um ano era avaliado somente no início de janeiro do ano seguinte, quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulga a inflação de janeiro a dezembro.
Conforme o decreto, a meta central e o intervalo de tolerância (banda para cima ou para baixo), dentro do qual será considerada cumprida, serão fixados pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) — após proposta elaborada pelo ministro da Fazenda.
A fala do número 2 da Fazenda ocorre também no contexto de uma mudança no comando da autarquia. O mandato do presidente do BC, Roberto Campos Neto, cuja atuação tem sido criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, termina em 31 de dezembro deste ano e, para o lugar dele, um dos nomes mais cotados é o de Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC.
O mercado financeiro teme que a mudança possa abrir brechas para uma interferência direta do governo na política monetária.
A meta perseguida pelo BC para este e para os próximos anos é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que a meta é considerada cumprida se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).
Segundo Mello, um intervalo menor do que seis meses poderia fazer o BC descumprir a meta mesmo em caso de choques temporários e, assim, banalizar o instrumento da prestação de contas por estouros sucessivos.
A cada estouro, a autoridade monetária deverá informar as razões do descumprimento da meta, as medidas que estão sendo adotadas para levar a inflação de volta aos limites estabelecidos e o período esperado para que as medidas produzam efeito.
Decreto não dá prazo máximo para Banco Central recolocar inflação na meta
Porém, o decreto com as novas regras não dá um prazo máximo para o BC recolocar a inflação na meta. O secretário de Política Econômica minimizou a ausência de um limite de tempo e fala em “trade-off” (escolha de uma opção em detrimento de outra).
“Quanto mais a autoridade monetária alongar o horizonte para trazer a inflação para dentro da meta, maior dificuldade vai ter de gerir expectativas, que é um componente essencial do regime de metas”, afirmou ele. “Se alongar demais, isso pode ter consequências negativas sobre a própria credibilidade da política monetária”, salientou.
Mello citou ainda que, caso o BC queira recolocar a inflação na meta muito rapidamente e encurtar significativamente o horizonte de tempo, terá de adotar um choque de juros muito forte, podendo esbarrar no compromisso secundário da instituição com o nível de atividade econômica e de fomento ao pleno emprego.
“É importante que a autoridade monetária tenha essa flexibilidade, afinal, ela sabe melhor do que ninguém qual a temporalidade, os instrumentos e as possibilidades que tem de reancorar a inflação na meta”, disse. “Sempre vai ter que fazer esse balanço e encontrar um caminho crível, razoável para conduzir a política monetária.”
Mas, segundo ele, o desenho adotado permite ao BC reagir a choques de diferentes naturezas com temporalidades distintas. Isso significa dar tratamentos diferenciados para choques temporários, como a calamidade no Rio Grande do Sul, e para choques mais duradouros, como a pandemia de Covid.
O número 2 da Fazenda destacou ainda os mecanismos de compliance (conformidade) que orientam a atuação do BC, incluindo o modelo de prestação de contas em caso de estouro da meta de inflação.
Sempre que descumprir o objetivo, a autoridade monetária deverá escrever uma carta aberta endereçada ao ministro da Fazenda, como ocorre hoje, e publicar uma nota no Relatório de Política Monetária –atual RTI (Relatório Trimestral de Inflação).
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo