Relatório do ISA (Instituto Socioambiental) mostra que 98,2% dos territórios quilombolas do Brasil estão sob ameaça de obras, empreendimentos de mineração e imóveis rurais. Essas atividades, segundo o estudo, geram consequências ambientais, como o desmatamento.
O estudo foi feito pelo ISA em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos).
Os territórios quilombolas, ressalta o estudo, estão entre as áreas mais conservadas no Brasil e são fundamentais no combate às mudanças climáticas. Ocupam 3,8 milhões de hectares, o que corresponde a 0,5% de todo território nacional, e exercem um papel altamente positivo na conservação ambiental, com mais de 3,4 milhões de hectares de vegetação nativa.
No entanto, essas atividades, além do desmatamento, acarretam degradação florestal e incêndios, além da perda de biodiversidade e deterioração de recursos hídricos pela exploração mineral e atividades de agricultura e pecuária no entorno dos territórios. A abertura de estradas e rodovias também podem facilitar violações ambientais.
“Os resultados mostram que praticamente todos os quilombos no Brasil estão impactados por algum vetor de pressão, evidenciando a violação dos direitos territoriais das comunidades quilombolas”, avaliou Antonio Oviedo, pesquisador do ISA. “É urgente o cancelamento de cadastros de imóveis rurais e de requerimentos minerários que incidem sobre os quilombos, bem como consulta prévia da comunidade sobre qualquer obra de infraestrutura ou projeto que possa degradar o território ou comprometer os modos de vida dos moradores”, complementou.
A população quilombola do país é de 1.327.802 pessoas, o que corresponde a 0,65% do total de habitantes. Os dados são do Censo 2022, que investigou pela primeira vez esse grupo, integrante dos povos e comunidades tradicionais reconhecidos pela Constituição de 1988.
Foram identificados 473.970 domicílios onde residia pelo menos uma pessoa quilombola, espalhados por 1.696 municípios brasileiros. O Nordeste concentra 68,19% (ou 905.415 pessoas) do total de quilombolas do país.
O estudo analisou os 494 quilombos, homologados ou não, que já têm território delimitado, e suas sobreposições com as áreas de influência direta das obras planejadas pelo governo Lula, requerimentos de exploração na ANM (Agência Nacional de Mineração) e propriedades registradas no CAR (Cadastro Ambiental Rural, banco de dados usado para fiscalizar e controlar a atividade agropecuária).
Do total, 485 territórios tem algum tipo de sobreposição — para as obras, foi considerada a chamada área de influência direta, metodologia utilizada pelo governo federal para medir a zona de impacto dos empreendimentos para além da construção em si.
Territórios quilombolas no Centro-Oeste são os mais ameaçados, segundo o estudo do ISA
No recorte por regiões, o estudo mostra que os territórios quilombolas da região Centro-Oeste registram mais da metade (57%) de sua área total afetada por obras de infraestrutura, seguida das regiões Norte (55%), Nordeste e Sul (34%,) e Sudeste (16%). O quilombo Kalunga do Mimoso, em Tocantins, tem 100% de sua área em sobreposição com três empreendimentos planejados, uma rodovia, uma ferrovia e uma hidrelétrica.
Um total de 1.385 requerimentos minerários pressionam 781 mil hectares em territórios quilombolas. O Centro-Oeste também figura como a região em que os quilombos estão mais pressionados por requerimentos minerários, com 35% da área dos territórios afetados, seguido do Sul (25%), Sudeste (21%), Norte (16%) e Nordeste (14%). O território Kalunga, no Goiás, é o mais pressionado, com 180 requerimentos em sobreposição a 66% de sua área.
Dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural) mostram que mais de 15 mil cadastros de imóveis rurais foram identificados em sobreposição aos territórios quilombolas. As regiões Sul e Centro-Oeste são as mais impactadas, onde 73% e 71% da área dos territórios quilombolas, respectivamente, encontra-se pressionada por imóveis rurais privados.
A região sudeste também apresenta uma alta taxa de sobreposição, de 64%, seguida da região Norte, com 19%. No Pará está o território com a mais alta taxa: Erepecuru, com 95% de sua área em sobreposição a imóveis rurais.
O levantamento aponta ainda que a consulta prévia às comunidades tradicionais não vem sendo respeitada como deveria.
A consulta é um direito determinado pela convenção 169, de 5 de setembro de 1991, que obrigou os países membros da OIT (Organização Internacional do Trabalho) a reconhecer e proteger práticas e valores sociais, culturais, religiosos e espirituais próprios desses povos. No Brasil, que é um dos países signatários, a convenção passou a valer em 25 de julho de 2003.
Por conta disso, antes de realizar qualquer obra ou ação que interfira no dia a dia de povos tradicionais como indígenas e quilombolas, governos e empresas públicas e privadas são obrigados a consultar os moradores locais.
“Os resultados mostram que praticamente todos os quilombos no Brasil estão impactados por algum vetor de pressão, evidenciando a violação dos direitos territoriais das comunidades quilombolas”, diz o pesquisador.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S. Paulo