O governo do presidente Lula já se manifestou contrariamente à chamada PEC das Praias, relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). No entendimento do Executivo, a medida que pode “privatizar” áreas à beira-mar que, atualmente, pertencem à União, dificultaria o acesso da população ao mar.
Se aprovada como está, a medida pode ainda favorecer a especulação imobiliária e, também, nove dos 81 senadores proprietários de terrenos nas chamadas áreas de marinha, abrangidas pela Proposta de Emenda à Constituição.
Sob análise da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado de modo discreto, a chamada PEC das Praias veio à luz do dia depois que a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar trocaram farpas nas redes sociais por causa da proposta. O jogador de futebol já anunciou parceria com uma construtora para obras de um condomínio na beira do mar.
A PEC facilita a transferência dos bens em áreas urbanas da União para estados e municípios ou para proprietários privados, em texto criticado por técnicos e especialistas por criar insegurança jurídica, permitir a privatização de áreas do litoral brasileiro e abrir brechas para grilagem.
Na avaliação do Ministério da Gestão, a eventual privatização de terrenos à beira-mar poderia gerar algumas das seguintes consequências: impactos ambientais descontrolados, perda de receitas para a União e insegurança jurídica; dificuldade de acesso da população às praias, já que ela favorece a especulação imobiliária e o interesse de um conjunto de empreendimentos costeiros; impactos às comunidades pesqueiras; ocupação desordenada das áreas, ameaçando os ecossistemas brasileiros, entre outros.
Nesta semana, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, já tinha dito que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é contrário à proposta.
“O governo tem posição contrária a essa proposta. O governo é contrário a qualquer programa de privatização das praias públicas, que cerceiam o povo brasileiro de poder frequentar essas praias. Do jeito que está a proposta, o governo é contrário a ela”, afirmou Padilha em entrevista na segunda-feira passada (3).
O texto já foi discutido em uma audiência pública no Senado, mas ainda está longe de ser analisado por comissões e pelo plenário da Casa.
Depois da repercussão negativa sobre o texto, o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou que a matéria não está entre as prioridades de votação.
Diante de polêmica com ‘PEC das Praias’, Senado abre enquete sobre medida
Diante da polêmica gerada pelo tema, o Senado Federal abriu a enquete sobre a PEC 3/2022. Até o fechamento deste texto, havia 156.168 mil votos contrários à proposição, e 2.180 favoráveis (para votar, clique aqui).
As áreas à beira-mar de que trata a PEC são chamadas de terrenos de marinha. Correspondem a uma faixa que começa 33 metros depois do ponto mais alto que a maré atinge. Ou seja, esses terrenos não abrangem a praia e o mar, região geralmente frequentada pelos banhistas. Essa parte continuaria pública. Os terrenos de marinha correspondem a uma camada mais atrás da praia, onde ficam geralmente hotéis e bares.
Se aprovada a PEC, a venda dos terrenos de marinha a empresas e pessoas que já estejam ocupando a área seria permitida.
Pelo projeto, os lotes deixariam de ser compartilhados entre o governo e quem os ocupa, e teriam apenas um dono, como um hotel ou resort.
Conforme o texto, só permaneceriam com o governo áreas ainda não ocupadas e locais onde são prestados serviços públicos, como portos e aeroportos, por exemplo.
Em entrevista à GloboNews ontem (5) e ao Jornal da CBN, da rádio CBN, nesta manhã (6), o relator da PEC, o senador Flávio Bolsonaro, afirmou que o projeto não vai privatizar as praias brasileiras. “O espaço público que é a praia vai continuar sendo de todos os brasileiros”, afirmou.
Lembrando que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi entusiasta de mudanças em regras para criar uma espécie de “Cancún brasileira” na região de Angra dos Reis (RJ) — região onde se situam diversas áreas de marinha potencialmente alcançadas pela PEC.
Não há, no texto da proposta, nenhuma menção explícita à privatização das praias brasileiras, de fato. No entanto, uma das consequências diretas das mudanças da PEC é justamente a possibilidade de privatizar o acesso a elas.
Ao Brasil de Fato, Licio Monteiro, professor de Geografia Política e Geopolítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que as áreas adjacentes às praias, onde existem construções como casas, hotéis e condomínios, estão sujeitas a regras e impostos justamente por estarem em uma área de marinha, ou seja, uma área pública. Uma dessas regras é a garantia de acesso da população às praias.
O que a legislação faz é possibilitar que essas áreas deixem de ser públicas, sem influência do Estado. Assim, a PEC propõe que não haja nenhuma garantia de acesso às praias, o que representa, em última instância, a privatização das praias.
A PEC “reforça os mecanismos de exclusão e de privatização dessas áreas”, afirma Monteiro, que também atua no Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS/Fiocruz/FCT).
“A legislação obriga a garantia do acesso ao ambiente costeiro, à praia. Quando deixa de ser terreno de marinha e passa a ser uma propriedade como outra qualquer, não há obrigação nenhuma como a servidão de acesso ao mar”, afirmou na entrevista.
Senadores seriam beneficiados por medida
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, nove dos 81 senadores que vão deliberar sobre a PEC têm em seu nome propriedades que ficam em área de marinha, de acordo com dados públicos da Secretaria do Patrimônio da União (que faz parte do Ministério da Gestão e Inovação) e da Justiça Eleitoral.
São eles Alessandro Vieira (MDB-SE), Ciro Nogueira (PP-PI), Esperidião Amin (PP-SC), Fernando Dueire (MDB-PE), Jader Barbalho (MDB-PA), Laércio Oliveira (PP-SE), Marcos do Val (Podemos-ES), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Renan Calheiros (MDB-AL).
O levantamento levou em conta imóveis no nome do parlamentar ou de empresas da sua propriedade.
Procurados pela reportagem, cinco deles disseram não ver impedimento em analisar a proposta e os outros quatro não se manifestaram. Esperidião Amin e Oriovisto Guimarães se declararam favoráveis ao texto.
A propriedade desses imóveis é compartilhada com a União, que cobra uma taxa de foro pelo uso e ocupação do terreno. Em caso de transferência para outra pessoa, é preciso pagar outra taxa, o laudêmio.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo e Brasil de Fato