No último dia 4 de outubro, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou um novo substitutivo à proposta de emenda à Constituição (PEC 10/2022) que abre brechas para a comercialização de plasma humano. A PEC do plasma, como vem sendo chamada a proposta, deve tornar irrelevante o investimento público de R$ 1,1 bilhão na estatal Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia).
Polêmica, a votação da PEC foi várias vezes adiada no Senado. A proposta, que visa alterar a Constituição para permitir a comercialização do plasma humano, enfrenta resistência de parlamentares governistas e desagrada o Ministério da Saúde, mesmo após uma série de mudanças no texto.
A PEC é de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) e teve parecer da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB).
Atualmente, a Constituição prevê que uma única lei deverá tratar da remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas e coleta de sangue e derivados para fins de transplante, pesquisa e tratamento, vedando expressamente a comercialização desses produtos.
Mas a proposta original retira desse texto constitucional a menção a “pesquisa e tratamento” e insere um novo parágrafo determinando que uma lei específica terá de estabelecer condições e requisitos exclusivamente para coleta e processamento de plasma humano para desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de biofármacos destinados a abastecer o SUS (Sistema Único de Saúde).
Contudo, no que se refere à vedação de comercialização, a relatora acatou emenda do senador Otto Alencar (PSD-BA) que permite às iniciativas pública e privada negociar plasma humano para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados destinados a prover preferencialmente o SUS.
A emenda estabelece ainda que a iniciativa privada deverá atuar em caráter complementar à assistência em saúde, mediante demanda do Ministério da Saúde e cumpridas as normas regulatórias vigentes.
Se a proposta passar como está, a estatal Hemobrás, dedicada à produção de hemoderivados feitos à base do plasma e usados no tratamento de doenças como Aids e câncer, pode perder sua relevância. A proposta ainda precisa ser votada pelo plenário da Câmara e do próprio Senado.
Bancos de sangue privados, por exemplo, seriam capazes de vender o excedente de plasma (não usado em transfusões) para a indústria produzir e comercializar medicamentos.
Hoje, só a estatal pode recolher o excedente dos hemocentros para produzir fármacos, feitos em laboratórios no exterior e entregues ao SUS. A previsão é que, a partir de 2025, a empresa produza os hemoderivados em parque fabril em Goiana (PE).
PEC do plasma tira exclusividade da Hemobrás na fabricação de medicamentos e reduz estoque de plasma da estatal
Dentre todos os riscos da PEC do plasma, está o fato de que a proposta, além de jogar no ralo todo o investimento feito na Hemobrás ao longo de 20 anos, retiraria da estatal a exclusividade na produção de medicamentos, além de reduzir seu estoque de plasma.
A empresa foi criada em 2004 com o intuito de reduzir a dependência externa e nacionalizar a fabricação de hemoderivados.
À Folha de S.Paulo, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, disse que a estatal precisa de aproximadamente 500 mil litros de plasma para fabricar os medicamentos. Sem estoque, a produção fica inviável. “O R$ 1,1 bilhão já investido [na estatal] é jogado no ralo”, afirma o secretário.
Opositores, como o senador Humberto Costa (PT-PE), que é médico e foi ministro da Saúde no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dizem que a proposta abre margem para o que chamam de “comercialização”. Os hoje doadores de sangue e plasma para a rede pública poderiam passar a vender o material.
Na opinião de Gadelha, o pagamento induziria a pessoa a omitir comportamentos que afetam a qualidade do sangue. “A pessoa vendendo a única coisa que pode não vai dizer se teve comportamentos de risco, como contato com indivíduos com alguma infecção.”
Outro aspecto abordado pelos opositores da proposta é de que a PEC pode desestimular a doação no país.
Mas, do lado dos que defendem a PEC, como Paulo Tadeu de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Bancos de Sangue, a Hemobrás não tem capacidade para atender toda a demanda do SUS, o que obriga o país a importar medicamentos do exterior.
Contudo, números divulgados pela companhia mostram que, em 2025, a estatal espera fabricar dez toneladas de albumina, que repõe proteínas no sangue. O volume seria capaz de atender 100% da necessidade do SUS.
Por sua vez, a produção da imunoglobulina, usada para tratar de tétano a Covid, e do fator VIII, para casos de hemofilia, deve atender a 70% e 10%, respectivamente.
O fator VIII deve ser o primeiro medicamento a estar disponível pelo SUS a partir do próximo ano, segundo o secretário Carlos Gadelha.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo e Agência Senado