Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Semana passada foi lançada uma grande iniciativa, a carta do povo, que busca captar os anseios da população brasileira e a sua visão em relação ao que seria uma democracia. Além disso, busca dar, de uma maneira quase que inédita, voz ao povo, que raramente é ouvido quando se trata dos assuntos mais importantes da sociedade.
A população é pouco ouvida sobre assuntos importantes, como é o caso da economia, e nós, economistas, sempre atrás de um discurso muitas vezes tecnicista, excluímos qualquer participação popular das decisões importantes sobre o tema.
Os reflexos disso podem ser amplamente visíveis na sociedade brasileira. A PNAD trimestral acabou de revelar o perfil do mercado de trabalho brasileiro. O desemprego foi significativamente mais baixo para pessoas brancas e homens, enquanto se elevou consideravelmente para os jovens abaixo de 25 anos, para os pretos e pardos, para as mulheres e para as pessoas com nível baixo de instrução. Ao mesmo tempo, a remuneração também refletiu essa característica: somente pessoas brancas, homens e com ensino superior costumam receber acima da média do rendimento recebido pelo trabalhador brasileiro. Entre os demais, os rendimentos são menores, chegando a uma média que corresponde somente a 63% do salário mínimo, como no caso dos jovens entre 14 e 17 anos.
Isso leva a uma importante reflexão para todos os economistas. Qual o motivo de excluir o povo das pautas econômicas importantes, sendo que não conseguimos transformar a sociedade em um ambiente mais justo, com menores desigualdades por cor, gênero e idade? Por que o medo de tentar ouvir as demandas do povo e tentar trabalhar para que isto seja solucionado?
Existe uma certa resposta padrão na maioria dos casos. “É preciso tomar medidas duras no presente para que se possa obter um ganho sustentável no futuro”. Mas, parafraseando Keynes, “no futuro estaremos todos mortos”. A grande justificativa é que os economistas entendem sobre o que fazem e dizem que não existem alternativas para promover o melhor comportamento econômico possível, mesmo que isso signifique, no curto prazo, sacrificar a saúde, a educação e a qualidade de vida do povo em nome do Deus Mercado.
Mas a grande verdade é que é necessário colocar cada vez mais o povo na pauta econômica, e
trabalhar cada vez mais para diminuir, no curto prazo, as mazelas que a população vive atualmente. É preciso dar condições a todos para que consigam ter um emprego digno, com boa remuneração, que garanta uma boa moradia e lazer para suas horas de descanso. É preciso que o povo possa passar seus fins de semana descansando, aproveitando sua família ou amigos, se divertindo, para recompor forças e começar bem uma nova semana de trabalho, que obviamente seja formalizado.
E para isso é preciso mudar muitas coisas. É cada vez mais difícil para o povo acessar uma educação boa e de qualidade. As universidades públicas, que estavam se transformando aos poucos em um local de maior acesso popular, passaram por um processo deliberado de sucateamento. A vida acadêmica se tornou inviável para alguém que não consegue ter seu sustento bancado pela família, já que a bolsa recebida, tanto no mestrado, quanto no doutorado, está abaixo da média de remuneração recebida pelo brasileiro. Além disso, o que restou foram as faculdades e universidades particulares, com qualidade de ensino muitas vezes duvidosa. Ademais, é necessário um endividamento gigantesco para que a instrução seja garantida, o que, como mostram os dados, garante em boa parte uma remuneração mais digna.
É também preciso inserir cada vez mais pretos, pardos, mulheres e jovens nesse mercado de trabalho. E para isso é preciso dar condições para que todos possam estar preparados e aptos para isso. O grupo está sempre mais desempregado, com rendimentos menores e passa longos períodos sem emprego até conseguir alguma atividade remunerada. Essa é uma das condições primordiais para se ter a verdadeira democracia, pois a que temos hoje exclui uma parcela significativa da população brasileira.
É preciso ter, de fato, uma economia que sirva para o povo e não que use o povo. A economia deve ser o estudo que busca melhorar a vida das pessoas, e não somente melhorar indicadores econômicos e o resultado do mercado financeiro. Para terminar o texto de hoje, vale lembrar da grande Maria da Conceição Tavares, que falava que o povo não come PIB, e dá um recado aos economistas: “Se você não busca justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério, você não passa de um tecnocrata”.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira