Preços dos alimentos são os maiores em cem anos em todo o mundo

No Brasil há um paradoxo: enquanto a população reduz o padrão alimentar por causa dos preços, as contas públicas melhoram
18 de abril de 2022

A inflação de alimentos no mundo, que já vinha subindo desde 2000, ganhou força no final de 2019 e agora, com a guerra na Ucrânia, apresenta seu maior nível em 61 anos. É o que aponta o principal índice global de preços de alimentos das Nações Unidas. Pelo indicador, os valores superam as marcas do período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e da primeira crise mundial do petróleo (1973-1974),

Outra série de dados, divulgada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), também indica recorde para os preços dos alimentos nos últimos cem anos, permanecendo atrás somente do nível registrado após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Para os analistas, a inflação tem por trás causas conjunturais, como a Covid-19 e a guerra; e estruturais, como o aumento da renda na Ásia e na África e mudanças climáticas, que tornam safras imprevisíveis. Juntos, esses fatores marcam o fim de uma era de alimentos relativamente baratos, que ajudaram a reduzir a pobreza e a fome no mundo na segunda metade do século 20.

Preços altos

Em março, o índice de preços de alimentos da ONU calculado pela FAO (Organização para Alimentação e Agricultura, na sigla em inglês) atingiu 159,3 pontos, batendo recorde anterior, de 1974 (137,4), e pressionado por todos os seus componentes: cereais, carnes, óleos, laticínios e açúcar.

O conflito na Ucrânia também fez o preço do petróleo disparar mais de 45% neste ano, pressionando fretes e a cadeia de distribuição de alimentos.

Na quinta (14), a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse que o mundo vive uma “crise sobreposta a outra” o que pode elevar a desigualdade, aumentar a inflação e “fragmentar” a economia global. Países muito dependentes da importação de alimentos e com contas externas frágeis seriam os mais afetados e uma corrida em curso para aumentar estoques tende a pressionar mais os preços.

Paradoxo no Brasil

No Brasil, criou-se um paradoxo. Enquanto, a população empobrece e reduz o padrão alimentar com a explosão nos preços de comida e combustíveis, as contas públicas melhoraram e o risco fiscal diminuiu com o aumento da arrecadação de impostos. Isso porque o país é grande exportador de commodities, principalmente de grãos, e isso faz com que a receita aumente, mas sem reflexo na queda dos preços internos dos alimentos.

Nenhum dos itens alimentícios no Brasil tem variação em 12 meses abaixo de dois dígitos. Mesmo sem contar commodities como grãos, o conjunto de hortaliças e legumes subiu 46,2% no período, segundo o IPC da FGV.

O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) também acelerou para 1,62% em março. É o maior valor para os meses de março em 28 anos, ou seja, desde março de 1994. No ano, o IPCA já acumula alta de 3,20% e, nos últimos 12 meses, de 11,30%, acima dos 10,54% observados nos 12 meses imediatamente anteriores.

Segundo pesquisa Datafolha do final de março, um de cada quatro brasileiros afirma que a quantidade de comida disponível foi inferior à necessária para alimentar a família nos últimos meses.

Quanto mais pobre, mais a inflação de alimentos é percebida, pois habitação e comida consomem a maior parte da renda. Segundo estratificação do Datafolha, 53% das casas brasileiras atravessam o mês com menos de dois salários mínimos (R$ 2.424). Nelas, 35% acusaram falta de alimentos.

Segundo os economistas do ICL André Campedelli e Deborah Magagna, o Brasil hoje é um país que está caro para toda a população. “Todos os estratos de renda estão sendo fortemente impactados pela alta da inflação, que parecia ter sido amenizada no começo do ano, mas voltou com tudo nos últimos dois meses. E não existe, no curto prazo, uma perspectiva de melhoria para a situação”. E eles fazem um alerta: “O cenário para a população mais carente no Brasil é ainda mais grave, pois com a alta dos alimentos, o consumo destas pessoas deve ficar cada vez menor, o que pode, inclusive, trazer dificuldades para que se tenha uma alimentação digna e completa nos próximos meses”.

Preço das commodities

Em entrevista à Folhapress, José Eustáquio Alves, doutor em demografia e professor por duas décadas na Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, explica que os preços das commodities em alta neste momento vêm dando um “presente” para o Brasil em arrecadação tributária e aumento da atividade econômica.

Pelos seus cálculos, toda a cadeira do agronegócio representa cerca de 27% do PIB. Somados os setores de commodities minerais e combustíveis, a fatia sobe para 40%. “O problema é que os 60% restantes vão muito mal. Mas há entrada de capital externo e aumento da receita tributária, melhorando as contas públicas e ajudando a reduzir o valor do dólar, moeda em que as commodities, como grãos, são denominadas.”

Mesmo assim, com o atual ritmo de aumento de preços, desemprego elevado e queda da renda (-8,8% em 12 meses), os brasileiros devem seguir pressionados pelos alimentos.

Redação ICL Economia
Com informações da Folhapress, Yahoo Notícias e Boletim Economia para Todos Investidor Mestre

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