O sucateamento promovido pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em várias instâncias e órgãos públicos atingiu em cheio o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Essa deterioração ao longo do mandato de Bolsonaro, somada à pandemia de Covid-19, trouxe uma série de problemas para o Censo do IBGE de 2022, que vem sendo realizado com atraso. Tanto que, na avaliação do pesquisador Roberto Olinto, ex-presidente do instituto, a publicação dos dados preliminares da contagem populacional expõe a “tragédia absoluta” que se abateu sobre a pesquisa.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Olinto defendeu uma ampla auditoria dos dados para verificar a consistência ou, em um cenário mais drástico, que se realize outro censo. Vale salientar que a contagem da população é essencial para a elaboração de políticas públicas e distribuição de recursos para os municípios.
Para dar uma dimensão do problema, prefeituras de centenas de municípios do país ameaçam acionar a Justiça para pedir revisão da distribuição de repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), principal fonte de receita da maioria das cidades do país. Segundo a CMN (Confederação Nacional de Municípios), 702 cidades receberão fatias menores do FPM devido à revisão do tamanho das populações. O problema é que o Censo Demográfico de 2022 ainda não foi finalizado, e os números usados para determinar o valor de cada repasse levam em conta uma prévia divulgada no último dia 28.
A prévia do censo do IBGE, divulgada em 28 de dezembro, mostra que o Brasil possui atualmente 207.750.291 habitantes. Esse número foi coletado pelo censo até o dia 25 de dezembro, e representa 83,9% do total da população recenseada nos municípios brasileiros. A pesquisa deveria ter sido concluída em outubro, mas foi adiada para janeiro de 2023 por falta de recenseadores. Muitos desistiram devido às más condições de trabalho.
“Por que tem que auditar? Porque esses dados não são confiáveis. Teve todos esses problemas, e uma coleta de seis meses é tudo que a demografia reclama. Não pode ser assim”, disse Olinto à Folha.
Olinto, que presidiu o IBGE entre junho de 2017 e dezembro de 2018, é pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). Antes de trabalhar no IBGE, ele foi diretor de pesquisas do órgão e coordenador da área de contas nacionais, responsável pelo cálculo do PIB (Produto Interno Bruto) do país.
Olinto critica decisões tomadas pela atual direção do órgão e defende investigação por falhas no Censo do IBGE
Com experiência internacional na área de estatística, ele critica decisões tomadas pela direção que o sucedeu no IBGE, com Susana Cordeiro Guerra no comando, e defende uma investigação para responsabilizar eventuais culpados pelas falhas na realização do Censo. “Quando você faz um censo e decide que não vai fazer propaganda [para a população colaborar], isso vai contra uma regra. Isso foi doloso, não foi doloso?”, questionou.
“Quando eu saí da presidência, Susana Cordeiro Guerra assumiu, vinda dos Estados Unidos, depois de 20 anos fora do Brasil e sem jamais ter trabalhado na área de estatística ou gestão de qualquer coisa. Começou, de forma extremamente prepotente, a mexer em todo o projeto. Reduziu o questionário, interferindo num projeto discutido com a sociedade civil. Diminuiu o orçamento, de R$ 3,4 bilhões para R$ 2,3 bilhões, sem nem tentar manter o que estava previsto. Exonerou o diretor de pesquisas e o diretor de informática. Um projeto que já vinha sendo trabalhado há cinco anos tem uma intervenção não só técnica, mas exonerando pessoas muito envolvidas e experientes”, criticou.
Com a pandemia de Covid-19, segundo ele, o orçamento do órgão foi cortado novamente, e Susana pediu demissão. “Teve todo um período aí meio complicado. Pelo menos o IBGE teria dois anos para se organizar”.
Na avaliação dele, houve falta de previsibilidade, pois o “IBGE sabia desde o início que ia ter uma folha de pagamento de 250 mil pessoas”. “Tinha que preparar o sistema. Sai o censo em 2022, começam a vir os comentários dos recenseadores. Cinco dias de treinamento, apenas. Atraso no pagamento, erros no valor. Você começa a observar os recenseadores pedindo demissão, irritados, abandonando o trabalho”, pontuou.
Segundo ele, o sentimento que dá dessa situação é “vergonha”. “O Censo é para ser levantado em dois meses [a coleta começou em 1º de agosto de 2022], e nós estamos no meio de janeiro e não terminou. Tem só metade dos recenseadores. O IBGE pedindo para a prefeitura do Rio de Janeiro botar agente municipal de saúde para coletar censo. O cara não foi treinado, ele não sabe o que está fazendo. Tragédia absoluta, resumiu.
A prévia até aqui divulgada não faz sentido, na percepção dele. “Coisas absolutamente inexplicáveis. No Rio de Janeiro, os municípios da região metropolitana, todos caíram de população em relação a 2010. No Rio Grande do Sul, um número enorme de municípios judicializou, porque não sabe se o censo está certo ou errado. Eu acho que está errado”, frisou.
Procurado pela reportagem, o IBGE disse, em nota, que as contestações de Olinto não procedem. Segundo o órgão, a metodologia da estimativa apresentada foi aprovada pelo conselho consultivo do censo, formado por economistas, demógrafos e estatísticos como representantes da sociedade civil.
Segundo o IBGE, o resultado divulgado até agora representa um esforço “para entregar os dados populacionais devidamente atualizados dentro da melhor técnica estatística disponível com maior precisão e confiabilidade”.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo