No Brasil, 38,7 milhões de pessoas vivem em lares sem qualquer renda de trabalho, nem informal. Elas representavam 17,9% da população em 2021, o segundo maior patamar já registrado desde 2012. Só perde para 2020, quando o isolamento social para evitar a propagação da pandemia impediu que parte relevante dos trabalhadores, principalmente os informais, conseguisse trabalhar. O percentual dobrou em relação a 2012 e representa a maior parcela já registrada de brasileiros sem qualquer tipo de renda. A pandemia não foi a única responsável pela precarização do trabalho no país. A retirada de direitos dos trabalhadores começou em 2017, com a Reforma Trabalhista de Michel Temer. Também faltaram, no atual governo, políticas públicas para gerar empregos de qualidade. Houve o abandono da política de valorização do salário mínimo. É uma lista grande de problemas que o governo brasileiro não está atuando devidamente.
Sem qualquer tipo de renda de trabalho, uma série de pessoas está vivendo exclusivamente de rendas assistenciais, estratégias precárias e previdência de baixa remuneração. A renda informal não retornou para as famílias no mesmo nível de antes. São menos recebedores, com renda de trabalho menor e vínculos mais frágeis, explica o professor do Iesp/Uerj, que fez o levantamento, divulgado pela reportagem do jornal O Globo.
Além de ganhos com o trabalho, as famílias podem receber aposentadorias, pensões, benefícios sociais, aluguéis, juros e dividendos. A maior parte tem remuneração do trabalho, que costuma corresponder a 75% da renda familiar. Mas há 2% da população, cerca de 4 milhões de pessoas, que não recebem qualquer tipo de remuneração.
Segundo um cruzamento feito pela Corretora Tullet Prebom Brasil, a fatia de rendimentos do trabalho correspondia a 35,4% do PIB em fevereiro de 2020, antes da pandemia. E caiu para 30,2% em abril de 2021, auge dos casos de Covid-19 no Brasil. Nem mesmo a inclusão dos salários de mais 12 milhões de ocupados à massa de rendimentos desde o segundo trimestre de 2020 fez a principal fonte de renda das famílias voltar aos níveis de antes da pandemia.
Para especialista, se governo não investir agora na infância, haverá uma nova geração que terá dificuldade em obter renda de trabalho
No segundo trimestre deste ano, havia 3 milhões de desempregados que procuram vaga há dois anos ou mais, o que corresponde a 29,6% dos desocupados, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
Segundo o diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância do Insper e professor da USP, Naercio Menezes Filho, muitas pessoas perderam o pouco capital que tinham, coisas simples, como uma barraca, um carrinho de pipoca para conseguir se manter ou pelo menos alugar. Durante a pandemia, sem fonte de recurso, tiveram que vender esse capital. Essas famílias estão vivendo uma situação muito difícil, sem renda de trabalho.
Está havendo uma transição no mercado de trabalho, com as tarefas simples, rotineiras, manuais sendo feito por máquinas e inteligência artificial. Os empregos formais estão sendo criados para tarefas não repetitivas, que exigem capacidade de negociação e análise.
O diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância do Insper e professor da USP afirma para a reportagem do jornal O Globo que se tratam de pessoas sem habilidades, que não tiveram formação de ensino médio, não tiveram oportunidades, nasceram nos anos 1970, 1980, sem assistência social, educação, universidade, não conseguiram desenvolver as habilidades cognitivas. Muitas perderam o pouco que tinham e, ao mesmo tempo, houve essa mudança no mercado. Vai ter um grupo que não vai retornar ao mercado, vai se desengajar definitivamente, principalmente as pessoas mais velhas.
O Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância do Insper cita como exemplo de transformação o mercado o call center, no qual atendentes estão sendo substituídos por robôs, o que está afetando mais o emprego na Região Nordeste. Lá, 25,7% da população vivem em domicílios sem renda do trabalho. Entre os ocupados na região, 57,1% são informais. Há uma estratificação regional, o trabalho só tem aumentado no Sul e Sudeste. No Nordeste está estagnado. A desigualdade regional aumentou.
É uma tendência oposta a que se verificava entre os anos 2000 até meados de 2010, observa o sociólogo Pedro Ferreira de Souza, antes da recessão de 2015 e 2016. Houve uma recuperação em seguida, mas muito tímida e beneficiando “a metade de cima da distribuição de renda”:
Nos anos 2000, 2010, a geração de emprego formal foi com salários próximos do mínimo, em setores que absorvem mão de obra menos qualificada, como construção civil e comércio. Depois da recessão, essa geração de emprego na base parou e o grupo passa a depender de benefícios sociais, como o Auxílio Brasil. explica o professor da USP Naercio Menezes Filho. Para ele, o caminho é investir na infância, transferir mais recursos para as famílias com crianças. “A pandemia aumentou o analfabetismo entre as crianças”, explica.
Na avaliação do sociólogo, esse contingente deve passar a viver entre ocupações intermitentes, saindo e entrando na pobreza. Isso porque a renda dos 20% mais pobres caiu muito e nunca mais se recuperou nem voltou ao patamar que estava em 2012.
Redação ICL Economia
Com informações do jornal O Globo