Reforma tributária deve garantir justiça e desenvolvimento, pedem centrais: ‘Quem pode mais contribui mais’

Para entidades sindicais, sistema deve considerar a “capacidade contributiva” dos cidadãos e aumentar tributação sobre heranças e lucros/dividendos. Pacheco diz que proposta está “madura”
5 de julho de 2023

Para ser justa, uma reforma tributária deve considerar a “capacidade contributiva” dos cidadãos, incluir a chamada progressividade dos impostos e rever impostos de consumo e sobre renda, além de aumentar a tributação sobre grandes heranças, lucros e dividendos. É o que defendem as centrais sindicais – oito delas divulgaram nota nesta segunda-feira (3). As centrais afirmam que, embora tenha aspectos positivos, a proposta em discussão da reforma tributária “ainda não ataca” questões como injustiça fiscal e regressividade, que afetam diretamente os mais pobres e trabalhadores de menor renda.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou a afirmar durante evento que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 está pronta para ser votada. “Eu confio muito na obviedade sobre a necessidade da reforma tributária. Não se há mais que argumentar que é preciso amadurecer um pouco mais. De tão madura ela já está na hora de ser apanhada do pé”, afirmou na semana passada, durante evento na Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Políticas públicas, produção nacional e guerra fiscal

Segundo as centrais, o sistema deve ter simplificação, facilitar o financiamento de políticas públicas, estimular a produção nacional e acabar com a chamada guerra fiscal. Além disso, a reforma precisa respeitar o princípio constitucional da capacidade tributária. “Quem pode mais, contribui mais”, resumem.

O documento é assinado por CSB, CTB, CUT, Força Sindical, Intersindical, Nova Central, Pública e UGT.

Confira a íntegra da nota sobre a reforma tributária:

POR UMA REFORMA TRIBUTÁRIA QUE GARANTA
JUSTIÇA FISCAL E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Uma das principais causas dessa desigualdade é o sistema tributário brasileiro. Com uma estrutura regressiva que perpetua esse quadro (proporcionalmente os pobres pagam mais impostos que os ricos), o sistema é complexo, com elevada sonegação, alto número de exceções tributárias e subterfúgios para permitir que os mais ricos paguem menos, além de privilegiar a especulação e não a produção e o assalariamento. É um mecanismo que funciona como mais um entrave ao financiamento das políticas sociais em nível adequado e de forma perene, afetando toda a população, especialmente quem mais precisa.

O sistema tributário brasileiro é excessivamente concentrado nos chamados impostos indiretos (sobre consumo e ganhos do trabalho) ao invés de, como nos “países desenvolvidos”, ter os impostos diretos (imposto de renda, grandes fortunas, heranças, sobre a terra, patrimônio em geral etc.) como a maior fonte da arrecadação. No Brasil, os impostos diretos, que são muito mais eficientes em distinguir ricos de pobres, são menos utilizados que os impostos indiretos, que, por incidirem sobre o consumo de bens e serviços, têm pouco poder de diferenciar renda. No país, há diversas ausências tributárias de impostos diretos: na falta de cobrança de tributos sobre a propriedade de jatinhos e lanchas e/ou outros bens supérfluos; na isenção sobre ganhos de dividendos, sobre distribuição de lucros aos acionistas ou remessas de lucros ao exterior (enquanto o imposto de renda do assalariado é descontado diretamente na folha de pagamento – “na fonte”); com a existência de poucas faixas de IR e falta de atualização dos valores.

Dessa forma, defendemos uma reforma tributária em sintonia com o seguinte princípio apresentado na Pauta da Classe Trabalhadora, entregue ao presidente Lula durante a campanha eleitoral:

“Reformar o sistema tributário e orientá-lo pela capacidade contributiva de cada brasileiro e brasileira; pela progressividade dos impostos; pela revisão dos impostos de consumo e dos impostos sobre renda e patrimônio, aumento da tributação sobre grandes heranças e riquezas, lucros e
dividendos.”

Assim, reafirmamos que a reforma tributária também deve se orientar pelos seguintes princípios:
– Simplificação, com redução das exceções (isenções), fim da cumulatividade e punição exemplar à sonegação;
– Garantia de financiamento às políticas sociais, em especial, educação e seguridade social (saúde, previdência e assistência social);

Estímulo à produção nacional alinhada a uma visão de desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável, de forma que todo benefício fiscal deve envolver contrapartidas sociais por parte de quem os recebe, especialmente referentes à geração de postos de trabalho, a investimentos e arrecadação de impostos;
– Fim da guerra fiscal, com equalização maior do sistema, a fim de evitar a competição entre unidades da Federação.

Também indicamos 10 pontos para uma tributação mais justa, sendo que parte já está incorporada à proposta de Reforma tributária nessa primeira fase:

Desonerar a cesta básica, avançando sobre os demais impostos, com controle de repasse para os preços, colaborando para redução dos tributos indiretos (previsto na reforma tributária);
2. Tributar lucros e dividendos;

3. Aumentar os impostos sobre a propriedade da terra;

4. Tributação sobre a remessa de lucros das empresas estrangeiras;

5. Instituir o imposto sobre grandes fortunas;

6. Corrigir a tabela do Imposto de Renda, aumentando a progressividade (a correção da tabela está em andamento, mas é necessário ampliar o número de faixas e alíquotas);

7. Tributar os bens supérfluos e de luxo;

8. Melhorar a cobrança do imposto sobre herança (previsto na reforma tributária);

9. Cobrar IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) sobre embarcações e aeronaves (previsto na reforma tributária);

10. Aumentar a transparência sobre a tributação (previsto na reforma tributária)

No que se refere à proposta de reforma tributária elaborada pelo governo e em discussão no Congresso Nacional, avaliamos como positiva a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que unifica 5 impostos (IPI, PIS, CONFINS, ICMS E ISS) em um formato dual: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para estados e municípios.

Além disso, a proposta busca desafogar o setor produtivo manufatureiro, realizar a cobrança do imposto no destino, eliminar a cumulatividade da tributação, criar mecanismo de desenvolvimento regional ao mesmo tempo em que busca acabar com a guerra fiscal entre os entes federativos, reduzindo também as desigualdades na distribuição dos recursos nas diversas regiões.

Também é relevante a proposta de imposto seletivo que desestimula o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. E ainda saudamos a proposta de aumento da progressividade proposta para o imposto sobre herança – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) – e a ampliação da base de incidência do IPVA, incluindo os veículos aquáticos e aéreos.

No entanto, é importante destacar que se o projeto em tramitação tem aspectos positivos e equaciona disfunções históricas do sistema tributário brasileiro, a proposta ainda não ataca o conjunto de problemas da injustiça fiscal e da regressividade tributária, que afetam diretamente a população mais pobre e os trabalhadores(as) de renda mais baixa.

Por isso pleiteamos que a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional deve:
a) A reforma tributária deve ser completa e deve tratar dos impostos diretos sobre renda e patrimônio, abrindo espaço para reduzir a carga dos impostos indiretos de modo mais substancial;
b) Incluir mecanismos que redistribuam a carga dos impostos indiretos, reduzindo substancialmente a incidência sobre os produtos da cesta de consumo típica de famílias que ganham até 3 salários mínimos,
efetivando a progressividade, em conjunto com a proposta de cashback (devolução de parte dos tributos pagos para a população de baixa renda);
c) Além de garantir as vinculações dos recursos para a Seguridade Social e para o FAT como previsto no projeto de reforma tributária, é importante que essa vinculação determine um volume de recursos suficiente para essas políticas: que a Seguridade possa cumprir os preceitos definidos constitucionalmente e que se amplie os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para que possa promover as ações de promoção de emprego e renda, tanto aquelas diretamente ligada ao mercado de trabalho como os aportes financeiros para o BNDES. Deve-se garantir percentuais equivalentes aos valores arrecadados pelos tributos hoje vinculados, sem as desonerações implementadas ao longo dos anos. Qualquer desoneração, presente ou futura, não pode resultar em redução de recursos para os investimentos através do FAT e para o financiamento da Seguridade Social;
d) Priorizar a seletividade da não incidência de tributação sobre as exportações para os setores que precisam de apoio para ampliar participação no mercado externo;
e) Tornar obrigatória a progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU);
f) Ampliar a participação da representação de trabalhadores nos conselhos e espaços de combate à sonegação, ampliando as ações de recuperação fiscal, particularmente dos grandes devedores (só no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf, há R$ 1,3 trilhão em autos de infração).

Em resumo, a reforma deve: eliminar injustiças, estimular a produção em detrimento da especulação, garantir os recursos necessários para o financiamento das políticas públicas e da seguridade social, ser progressiva, promotora do desenvolvimento produtivo, dinamizando instituições como o BNDES e outros indutores de investimentos públicos, além de ser instrumento do fortalecimento dos direitos sociais. É fundamental o respeito ao princípio constitucional de “capacidade tributária”, na qual quem pode mais, contribui mais.

Rede Brasil Atual

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