O aumento real (descontada a inflação) da renda do trabalho do brasileiro subiu 11,7% em 2023, quase o dobro do registrado em 2022 (+6,6%) e o melhor resultado desde 1995 (+12,9%), nos primórdios do Plano Real.
Os cálculos são de Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e foram publicados pela Folha de S.Paulo.
A reportagem também publicou dados de Marcelo Neri, diretor da FGV Social, os quais mostram que a renda real domiciliar per capita cresceu 12,5% no ano passado. A conta considera a renda das famílias dividida pelo total de membros.
Os dois cálculos usaram como base a PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE).
A maior variação real positiva no ganho da renda ocorreu entre os trabalhadores do setor privado sem carteira (14,9%). São normalmente aqueles que pertencem às famílias mais pobres e que as atendem com seu trabalho — e o Bolsa Família, de um modo geral, tem considerável penetração neste grupo.
Entre os trabalhadores formais do setor privado, no entanto, o ganho nos rendimentos foi de apenas 2,9%. Mas, em recuperações econômicas, é esperado que o aumento do emprego e da renda comece a ganhar tração primeiro no setor informal.
Dados da reportagem mostram que, nos 12 meses que antecederam o lançamento do Plano Real, em 1º de julho de 1994, a inflação chegou a 4.922% — e fecharia aquele ano em 916%. Em 1995, o indicador caiu para 22%, elevando o poder de compra dos trabalhadores brasileiros.
Mas, no ano passado, a ajuda da inflação na renda foi marginal: ela caiu de 5,79% em 2022 para 4,62% no ano passado.
Aumento do gasto público gerou efeito multiplicador na renda do trabalho
Ainda de acordo com a reportagem, a renda do trabalho subiu concomitantemente ao aumento do gasto público no país.
No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou a política de aumento para o salário mínimo acima da inflação (com ganhos para 26 milhões de aposentados no piso do INSS), concedeu reajuste ao funcionalismo público federal e retornou programas, como o Minha Casa, Minha Vida.
Mas muito provavelmente a medida mais importante tomada pelo governo Lula foi a manutenção do Bolsa Família – marca dos governos Lula 1 e 2 – em R$ 600 a partir de janeiro de 2023, quando foram acrescidos mais R$ 150 por criança de 0 a 6 anos para as famílias beneficiárias.
Na avaliação de Marcelo Neri, uma das principais explicações para o salto da renda em 2023 pode estar no efeito do Bolsa Família.
“Se fizermos um negócio focado nos pobres, guardando recursos fiscais para o que é mais ‘pró-pobre’ possível, o efeito multiplicador é enorme. Vamos combater a pobreza e a desigualdade; e haverá um bônus macroeconômico considerável em termos não só de renda, mas de emprego”, afirmou.
Ele lembrou que o direcionamento de 1,5% do PIB para o Bolsa Família deve ser recorrente, ou seja, sem previsão de interrupção nos próximos anos — a menos que haja uma crise fiscal de grandes proporções. “Isso tende a impulsionar a economia. Não foi um reajuste temporário”, disse.
Para Hecksher, do Ipea, os gastos públicos adicionais a partir do segundo semestre de 2022 explicam muito do aumento da renda em 2023. “Já havia o efeito carregamento [de 2022 para 2023] da ‘turbinada’ do Auxílio Brasil no final do governo Bolsonaro [Jair Bolsonaro]. Por cima disso, foram colocadas mais coisas, tanto no Bolsa Família como em outros programas”, pontuou.
O aumento real (acima da inflação) do salário mínimo em 2023 foi o maior desde 2012, pelas cálculos do pesquisador do Ipea, atingindo 4,1% na média do ano. “Aí você tem efeitos diretos no mercado de trabalho e indiretos via Previdência. Em todas as aposentadorias e pensões, que são a segunda maior fonte de renda das famílias na Pnad Contínua, atrás do trabalho, cuja renda cresceu fortemente em 2023.”
Estudos mostram efeito potencializador do Bolsa Família
O Bolsa Família tem sido um grande potencializador da renda e, consequentemente, da economia do país.
Um estudo organizado pelo próprio Marcelo Neri e outros autores mostrou que o Bolsa Família é, disparado, o programa que melhor atinge quem mais precisa.
Numa escala em que todos os programas chegassem realmente aos mais pobres, o alvo seria -1. O Bolsa Família chega a -0,64.
O BCP (Benefício de Prestação Continuada), o mais “pró-pobre” dentre todas as transferências federais vinculadas ao salário mínimo, -0,07, ou seja, está ainda muito longe da eficácia do Bolsa Família.
Outro trabalho, de Naercio Menezes Filho, do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância, sustenta que, para cada R$ 1 a mais per capita oferecido em um programa como o Bolsa Família, o PIB per capita do município onde o dinheiro é gasto cresce R$ 4.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo