O agro foi descrito por muitos como o “motor” da economia do país por conta de seu desempenho nos últimos anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2015 a 2020, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) nacional encolhia em média 1,1% ao ano, a produção agrícola crescia 2,7% anualmente e “empurrava” o nível de atividade.
Esse cenário, no entanto, mudou. Há um ano, a agricultura é o setor econômico nacional que menos cresce no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com isso, passou de “motor” a “freio” do PIB. E isso tem a ver com problemas que a própria agricultura causou: a falta de chuvas.
Segundo o IBGE, a produção agropecuária nacional caiu 2,5% no segundo trimestre deste ano comparada à do mesmo período do ano anterior, enquanto a economia como um todo cresceu 3,2%. A indústria, por exemplo, cresceu 1,9% e os serviços, 4,5%.
Essa situação já não é exceção. Esse é o quarto trimestre seguido de queda na produção agrícola na comparação com os mesmos períodos do ano anterior. Em todos esses trimestres, o PIB nacional cresceu. Só não cresceu tanto justamente por conta da agricultura, que por sua vez encolheu por questões climáticas.
“Tivemos uma crise hídrica no ano passado. Este ano, a seca também afetou muito a safra, principalmente no Sul do país”, lembrou o economista Leonel Mattos, analista da consultoria StoneX, que acompanha o mercado agropecuário. “Isso inverteu a lógica do crescimento da agricultura, que tradicionalmente é maior que a do PIB.”
A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE Rebeca Palis afirmou que a produção brasileira de soja – a maior do país – deve encolher 12% em 2022. Isso, segundo ela, deve impactar de forma significativa os resultados do setor agropecuário em 2022.
Para Mattos, essa previsão de queda tem a ver com a seca.
O Brasil de Fato procurou a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) para comentar os resultados recentes do setor. Ela não se pronunciou sobre a queda na produção nem sobre as causas dela.
Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), a própria agricultura é hoje, em parte, causadora dos problemas que a afetam.
“Grande parte da devastação da Amazônia é protagonizada pelo agronegócio irresponsável. Este fato já está afetando a transposição continental das massas de umidade, alterando a regularidade do regime de chuvas para o Brasil”, disse ele, explicando a relação da atividade agropecuária indiscriminada e as secas que hoje comprometem as safras.
Segundo Bocuhy, a retração recente da agropecuária é sinal de que o setor deve repensar sua atuação não só por responsabilidade ambiental, mas também por interesse econômico.
“As recomposições florestais previstas no Cadastro Ambiental Rural não avançam e a cobertura vegetal que deveria ser obrigatoriamente regenerada não é”, disse ele. “A tendência é a perda de capacidade de produção, que nos cenários futuros já projetam perda gradual de PIB para o setor.”
Apoio de Bolsonaro ao agronegócio
Procurado, o Ministério da Agricultura não se pronunciou sobre os impactos da atividade sobre o meio ambiente e sobre como ela prejudica a própria agricultura. Independentemente disso, o governo de Jair Bolsonaro (PL) segue apoiando o setor – e contando com o apoio dele para a campanha de reeleição do presidente.
Segundo reportagem da Agência Senado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criado para fomentar a industrialização do país, emprestou mais dinheiro ao agronegócio do que à indústria durante todos os anos do governo Bolsonaro.
Em 2021, por exemplo, o banco estatal destinou 26% de seus recursos aos produtores rurais e 16% a industriais. Em 2009, o agronegócio havia recebido apenas 5% enquanto a indústria, 47%.
Segundo a Agência Senado, a balança do BNDES pendeu para o lado da agropecuária pela primeira vez em 2018, justamente no ano em que o atual presidente foi eleito. Desde então, a indústria ficou para trás.
Beneficiados, produtores rurais estão entre os maiores doadores de recursos à campanha de Bolsonaro. Só Oscar Luiz Cervi, dono de lavouras de soja, milho e algodão em Mato Grosso do Sul, doou R$ 1 milhão para ajudar o presidente a se reeleger.
Reportagem do site De Olho nos Ruralistas apontou ainda que empresas do agronegócio organizaram e financiaram atos do 7 de setembro do ano passado favoráveis ao presidente. Em Brasília, manifestantes pediram o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Pior para trabalhador
Priorizado por Bolsonaro, o setor agropecuário é um dos que paga os piores salários do país e onde, inclusive, o rendimento do trabalhador tem caído.
Segundo o IBGE, entre os meses de maio e julho, o rendimento médio do trabalhador era de R$ 2.773 por mês. Isso é 2,9% mais do que há um ano.
Entre trabalhadores da agropecuária, o rendimento era de R$ 1.669 – ou seja, quase 40% menos do que a média geral. Esse rendimento é 5% menor do que o de um ano atrás – isto é, enquanto o rendimento da população em geral cresce, o do trabalhador rural cai.
Na indústria, o rendimento médio do trabalhador é de R$ 2.744. No setor, o ganho dos trabalhadores cresceu mais de 5% em um ano.