Taxar alimentos ultraprocessados pode significar mais recursos para políticas sociais

Diretora executiva da ACT, Paula Johns, afirma que é possível mudar essa realidade, mas o processo passa por vontade política. "Nosso sistema tributário é fruto de escolhas políticas de modelos de tributação."
19 de janeiro de 2023

A taxação de produtos alimentícios ultraprocessados tem papel essencial no combate à fome e à desnutrição e pode financiar políticas públicas. Essa é a defesa de pesquisadores e pesquisadoras do Brasil, que defendem uma reforma tributária pensada para incentivar a produção e o consumo de alimentos menos industrializados ou in natura.

Dados reunidos pela ACT Promoção da Saúde indicam que os ultraprocessados causam fortes impactos na saúde da população. Em 2019, os ultraprocessados foram responsáveis por 57 mil mortes prematuras em adultos, 10,5% do total de óbitos que poderiam ser evitados.

Os ultraprocessados estão ligados à ocorrência de obesidade. Atualmente, 6 em cada 10 adultos e 1 em cada 3 crianças apresentam excesso de peso no Brasil.

A produção dos ultraprocessados também causa impactos ambientais, aumenta a emissão de poluentes e modifica modos de vida em comunidades que vão das grandes cidades às populações mais afastadas do país.

No documento Propostas para uma Política Tributária de Combate à Fome, Promoção da Saúde e do Meio Ambiente, a ACT traça o cenário dos ultraprocessados e apresenta soluções.

O objetivo central é buscar saídas que mudem a lógica de políticas fiscais e econômicas voltadas à produção de commodities e industrializados. No lugar dela, é preciso incentivar a produção de alimentos saudáveis.

As distorções da desigualdade tributária estão por toda a parte. Nos exemplos, a ACT cita a alíquota zero de PIS/Cofins para achocolatados e macarrão instantâneo. Em sucos integrais de fruta, minimamente processados, esse mesmo imposto pode chegar a 9,25%.

Refrigerantes têm a mesma alíquota de IPI que a água mineral e ainda podem conseguir redução de 25 a 50% no tributo se forem feitos a base de frutas, como o guaraná e o açaí. O setor das bebidas gaseificadas deixa de pagar de R$ 3 a 4 bilhões em impostos anualmente, porque a maior parte da produção ocorre na Zona Franca de Manaus.

Alimentos saudáveis e tradicionais da dieta brasileira como o arroz e o feijão carregam a mesma porcentagem de impostos que produtos como a salsicha e o macarrão instantâneo em alguns estados. “Não existe uma política tributária que favoreça os alimentos orgânicos ou agroecológicos”, enfatiza o documento.

Diretora executiva da ACT diz que basta vontade política para taxar alimentos ultraprocessados e mudar a realidade social

Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a diretora executiva da ACT, Paula Johns, afirma que é possível mudar essa realidade, mas o processo passa por vontade política. “Claro que tem jeito. Porque, na verdade, o nosso sistema tributário é fruto de escolhas políticas de modelos de tributação.”

Segundo ela, toda a cadeia produtiva acaba valorizando os processos industriais. “Para dar escala, baratear o acesso, esse é o grande argumento por trás disso, que vem sendo construído há muito tempo. Então, à medida que você industrializa, você vai agregando valor”, diz.

Paula pontua que a lógica é “privilegiar a industrialização”, a qual “não leva em consideração os aspectos da saúde”. “Só que, nos últimos 10 ou 12 anos, começou com a hipótese da categorização, de classificação nova por grau de processamento dos produtos. Começamos a olhar um pouco mais de perto e colocar uma lupa no que tem nesses alimentos ultraprocessados”, enfatiza.

Segundo ela, por meio dessa mudança, “sabemos que os alimentos integrais nutrem mais e reduzimos boa parte dos alimentos que estão disponíveis nessa categoria. Há uma mistura de sal, açúcar, gordura e farinha, com uma série de aditivos, uma série de saborizantes, que tem impactos também no nosso organismo”.

Por fim, ela avalia que há um processo em paralelo “a esse processo de construção de um sistema tributário que também vem de longa data”. “Precisamos olhar para esse sistema tributário. Ele acabou possibilitando que, quanto mais industrializado o produto, quanto mais longe do produtor, menos imposto ele paga”.

Esse mecanismo tributário fez com que a sociedade chegasse ao fim de uma cadeia com uma “situação bizarra e totalmente antisaúde, em que o refrigerante paga menos imposto do que 1 quilo de abóbora orgânica”.

No Brasil segundo ela, a situação é pior, como no caso da tributação de refrigerante, que recebe subsídio. “Em linhas gerais, temos que chegar em um modelo tributário em um mundo globalizado. Porque esses produtos circulam o mundo”.

Para se chegar a um sistema tributário mais justo, é preciso que o preço final leve em consideração os danos à saúde, ao meio ambiente, que vão de trabalho escravo a poluição. “Se colocarmos no preço final o que faz mal até se tornaria inviável e o que faz bem se tornaria acessível”, conclui.

Brasil de Fato

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