Vazamento de trecho de entrevista de Lula ao mercado financeiro mexe com a Bolsa. Veja o que o presidente disse

O vazamento irritou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que saiu em defesa de Lula: "O problema é que, quando você solta uma fala descontextualizada, você gera desnecessariamente uma especulação em torno do assunto".
17 de julho de 2024

A Bolsa brasileira interrompeu ontem (16) uma sequência de 11 altas depois que o conteúdo vazado de um trecho da entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Record vazou, completamente descontextualizado, antes de ser veiculada na íntegra à noite. O conteúdo foi vazado cerca de 1 hora antes da veiculação por intermédio de uma agência da qual a entrevistadora é sócia.

Pouco antes das 13h, uma corretora divulgou aos investidores a declaração em que Lula dizia que ainda precisava ser convencido sobre a necessidade de cortes de gastos e que a meta fiscal não necessariamente precisava ser cumprida, embora tenha se comprometido com o arcabouço fiscal.

“Em entrevista à Record TV, que será veiculada hoje [ontem] ao longo do dia, o presidente Lula disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 bi e [R$] 20 bi no relatório de 22 de julho. Disse ainda que se precisar modificar a meta, ele não se opõe”, diz o trecho divulgado pela corretora BGC.

O texto foi atribuído à Capital Advice, uma agência de análise política da qual a autora da entrevista, a jornalista Renata Varandas, é uma das três sócias. A Capital Advice presta serviços à BGC.

A Record divulgou um trecho da entrevista com Lula às 13h48. Antes disso, o dólar teve salto e a avaliação de analistas do mercado foi de que falas do presidente teriam provocado ruídos de incerteza fiscal. No final do dia, no entanto, a moeda recuou, e fechou em baixa. Em dia de volatilidade, a Bolsa também se firmou no campo negativo após declarações do presidente.

A emissora afirmou, em nota, que tomará providências após a apuração dos fatos. “A Record esclarece que soube da ligação da repórter Renata Varandas com a Capital Advice somente após a divulgação do release pela agência. A emissora deixa claro que condena qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado em entrevistas feitas por nossas equipes. Medidas cabíveis serão tomadas com a apuração dos fatos.”

O vazamento irritou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que saiu em defesa de Lula: “O problema é que, quando você solta uma fala descontextualizada, você gera desnecessariamente uma especulação em torno do assunto”, disse Haddad em entrevista a jornalistas na saída do ministério da Fazenda ontem, acrescentando que outros trechos da entrevista de Lula mostravam o compromisso do governo com o arcabouço fiscal e destacam a confiança do presidente em sua experiência em gerir as contas públicas.

Veja o que o presidente Lula disse na entrevista à Record

No trecho divulgado no início da tarde, Lula afirmou à TV que não é obrigado a cumprir a meta fiscal se tiver “coisas mais importantes para fazer”. Por outro lado, disse que a meta de déficit zero para este ano não está rejeitada e se comprometeu a fazer o necessário para cumprir arcabouço fiscal.

A menção a cortes “entre R$ 15 bi e 20 bi”, presente no comunicado da corretora, não foi dito por Lula e apenas na pergunta da jornalista.

Lula ainda afirmou que precisa ser convencido de corte de gastos em 2024. As contenções devem ser formalizadas no próximo dia 22 de julho, quando será divulgado o próximo relatório de avaliação do Orçamento deste ano.

Na íntegra da entrevista, Lula diz:

  • Meta fiscal: “Esse país é muito grande. Muito poderoso. O que é pequeno é a cabeça dos dirigentes, de alguns especuladores. Porque esse país não tem nenhum problema. Se o déficit é zero, se é 0,1, o que é importante é que o país esteja crescendo. O que é importante é que a economia esteja crescendo. O que é importante é que o emprego esteja crescendo. O salário crescendo. Nós vamos fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal. Nós vamos criar um país com estabilidade jurídica. Nós vamos criar um país com estabilidade fiscal, com estabilidade econômica, com estabilidade social. Esse país terá previsibilidade.”
  • Déficit zero: “[A meta de déficit zero] Não está rejeitada, porque vamos fazer o que for necessário para cumprir arcabouço fiscal”, disse. “Esse país não tem nenhum problema se é déficit zero, déficit de 0,1%, 0,2%, não tem nenhum problema para o país. O que é importante é que esse país esteja crescendo”, concluiu.
  • Economia: “Não tem um único número, um único número que diga que o Brasil tem qualquer problema. A gente está crescendo mais do que a previsão do mercado. O mercado previa 0,8%, nós crescemos 3%. O mercado previa a inflação descontrolada, a inflação está totalmente controlada. A única coisa que não está controlada é a taxa de juros. Geramos 2,5 milhões de empregos em um ano e sete meses. A massa salarial cresceu 11,7%. O salário mínimo reajustado duas vezes acima da inflação. Isenção do imposto de renda para quem ganha dois salários mínimos e eu pretendo chegar a 5 mil reais de desconto do imposto de renda. Tiramos 24 milhões de pessoas da fome. Então, nós estamos vivendo um momento sensacional”.
  • Salário mínimo: “O mínimo, já diz, é o mínimo. Não tem nada mais baixo que o mínimo. Então, eu não posso cortar o mínimo, que já é o mais baixo de tudo. O que estou falando? Quando você tem que dar aumento do salário mínimo, você faz a reposição inflacionária. Se a inflação foi 3%, você repõe 3%. O crescimento do PIB nos últimos dois anos, a média, a gente dá de aumento do salário mínimo. Então, se durante dois anos o PIB crescer 6%, a gente além da inflação dá 6% de aumento. O que é humanamente justo, socialmente justo. Por quê? Porque o crescimento da riqueza no país, que é o resultado da produção de 203 milhões de brasileiros, tem que ser distribuído de forma equitativa para todo mundo.”
  • Civilidade: “O que o mundo está precisando é de civilidade na política. Nós precisamos aprender a conviver democraticamente na diversidade. Eu não sou obrigado a gostar de você. Você não é obrigado a gostar de mim. Você não precisa concordar comigo, eu não preciso concordar com você, mas nós temos que nos respeitar. Você tem o direito de ter sua opinião, eu tenho o direito de ter a minha. Quando chega no processo eleitoral, essas opiniões vão para debate e o povo vai de forma soberana escolher quem é o primeiro da república. Quem for eleito, governa. Quem for derrotado, chora e se prepara para os próximos debates. Foi assim que eu fiz em 89, em 94, em 98, porque ninguém perdeu mais eleições do que eu. E estou aqui, forte e com muita vontade de fazer as coisas certas. Então eu acho que é abominável a violência. É abominável qualquer tipo de violência.”
  • Big techs: “Não é possível que as empresas continuem ganhando dinheiro disseminando mentiras, fazendo provocação, campanha contra vacina, sem levar em conta nenhum compromisso com a verdade. Eu sou favorável a que a gente dê uma regulação, porque essas empresas não pagam nada. Ganham bilhões de publicidade. Têm muito lucro com a disseminação do ódio no mundo inteiro. O dado concreto é que a gente não pode perder de vista a necessidade de fazer uma regulação para que as coisas voltem a uma certa normalidade. Essa é uma discussão que a gente vai ter que fazer em foros internacionais. Primeiro, acho que a ONU deveria convocar uma assembleia para esse assunto. O G20 tem que discutir, o Brics [fórum que reúne emergentes] tem que discutir, o G7 tem que discutir, porque é preciso uma saída coletiva para o mundo.”
  • Combate à fome: “Estamos fazendo no G20 uma campanha forte para que a gente crie um movimento de combate à fome e à pobreza, contra a desigualdade, contra a fome e contra a pobreza. O mundo já produz alimento suficiente. A tecnologia e o avanço da genética já produziu muito mais alimento em área muito menor. Então, temos que fazer com que as pessoas tenham acesso aos bens básico de sua sobrevivência. Se a gente fizer isso, não precisa ter violência.”
  • Reconstrução: “No primeiro ano, tivemos que fazer um processo de reconstrução interna. E depois tivemos que reconstruir ministérios, recolocar as pessoas. Depois tinha que reconstruir o país no mundo. Veja, nesse primeiro um ano e sete meses, eu já fiz reuniões com 54 países da União Africana. Eu já fiz reuniões com todos os países da União Europeia. Eu já fiz reuniões com todos os países da América Latina. Eu já fiz reuniões com todos os países da América do Sul, dos países do Caribe. E já fiz reuniões com o G20, com os BRICs e já participei de duas COPs. Por que fiz isso? Eu fiz para mostrar o seguinte: você sabe quantos mercados novos nós abrimos em um ano e sete meses? 165 novos mercados para os produtos brasileiros. E isso é preciso muita política. É preciso viajar. É preciso vender aquilo que a gente tem de bom. É por isso que o Brasil está bem na fotografia. É por isso que é levado a sério.”

Banco Central

O presidente Lula também comentou que ainda não tem um nome para indicar à presidência do Banco Central, ressaltando que não há um momento definido para a escolha.

Na entrevista, Lula disse que “tem muita gente boa” que poderia substituir o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, que tem mandato até dezembro. Segundo ele, Haddad será consultado sobre o assunto.

“Vou escolher a pessoa na hora certa, na hora que tiver o nome correto vou chamar Haddad e vamos debater. Não tem tempo certo, não tem nome certo, tem muita gente boa”, disse.

Lula ainda afirmou saber da responsabilidade do presidente do BC e enfatizou que o governo, por meio do CMN (Conselho Monetário Nacional), optou por manter a meta de inflação em 3%.

O presidente voltou a atacar a taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 10,50% ao ano: “A única coisa que não está controlada no Brasil é a taxa de juros”.

A sucessão ao comando da autoridade monetária é acompanhada de perto por agentes de mercado já que são recorrentes as críticas de Lula a Campos Neto, ao próprio BC e ao modelo de autonomia operacional da autarquia.

A partir de 2025, o governo contará com maioria de indicados no Copom (Comitê de Política Monetária), responsável pela definição da taxa básica de juros.

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e da Folha de S.Paulo

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