Depois de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticar a manutenção da taxa de juros em 13,75% ao ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) engrossou o coro dizendo que o Banco Central deve pagar o preço pela manutenção da Selic, a taxa real mais alta do mundo. “Como presidente da República, eu não posso ficar discutindo cada relatório do Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central]. Eles que paguem pelo o que estão fazendo com o país”, disse Lula após cumprir agenda com a Marinha em Itaguaí, no Rio de Janeiro, ontem (23).
As críticas de Lula ao Banco Central foram feitas no dia seguinte ao anúncio do Copom sobre a manutenção da taxa, na quarta-feira (22), o que era esperado pelo mercado. No entanto, o que pesou foi o comunicado emitido pela autoridade monetária, no qual o BC também sinalizou a possibilidade de uma elevação da taxa no curto prazo, caso seja necessário, apesar da necessidade urgente de crescimento.
O petista também disse que “a história julgará cada um de nós. A única coisa que sei é que a economia brasileira precisa crescer e gerar emprego e emprego é a única coisa que garante dignidade e tranquilidade ao povo”.
O vice-presidente, Geraldo Alckmin, conhecido pela moderação, chamou de “radicalismo” a decisão do colegiado liderado por Campos Neto. “É muito radicalismo, né? Você tinha, há pouco tempo, juros de 2%; agora, 13,75%. Eu acho que precisa ter mais moderação. Não há uma inflação de demanda, pelo contrário. É preciso estimular a atividade econômica”, disse ele, em evento do setor de habitação em São Paulo. O setor também reclamou do custo do crédito.
Ontem, a imprensa atribuiu forte queda do Ibovespa à fala de Lula, o que não é verdade, uma vez que a Bolsa brasileira vem caindo nos últimos dias, devido às tensões vividas nos mercados mundiais nos últimos dias, com as crises bancárias nos EUA e as decisões de bancos centrais sobre juros ao redor do mundo.
O principal índice da Bolsa brasileira caiu 2,29%, aos 97.926 pontos. Essa foi a primeira vez desde julho de 2022 que o Ibovespa encerrou o pregão abaixo dos 100 mil pontos. Mas é leviano colocar a culpa no presidente por isso.
Os mercados domésticos acreditavam que o Copom adotaria uma postura mais realista e pragmática frente às mudanças recentes no cenário, mas o que se viu foi um comunicado duro, descartando qualquer chance de corte em breve. O Copom simplesmente ignorou a crise bancária no exterior bem como a situação do mercado de crédito por aqui.
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, também criticou a decisão do Banco Central no ICL Notícias, programa diário no YouTube. “O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez uma molecagem ontem [quarta-feira,22]”, disse, referindo-se ao comunicado do Copom. “[Ele] disse, ‘olha, se não se comportar direito eu vou subir a taxa de juros’. Nem a turma do mercado entendeu. Por isso a bolsa caiu, não foi por causa de declarações do Lula”.
Moreira ainda criticou parte da imprensa, que culpou a fala do presidente pela queda do Ibovespa. “Quando o mercado sobe ou cai por causa de uma declaração, você tem o momento do dia no gráfico de movimentação abrupta, que é o momento da fala”, comentou ele, que trabalhou por duas décadas no mercado financeiro.
Segundo Moreira, a queda do Ibovespa ontem [anteontem] foi contínua, o dia inteiro. “A reação do Lula não tem nada a ver com isso. Qual deveria ser a manchete: ‘Bolsa cai mais uma vez por conta de discurso irresponsável e inesperado de Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central que entregou um resultado medíocre ao longo dos últimos anos”, criticou.
Campos Neto conseguiu um feito no país: colocou todo mundo contra o atual patamar da taxa de juros
Com a decisão do Copom, o presidente do Banco Central conseguiu um feito: em um país dividido politicamente, há quase unanimidade contra a atual política monetária que asfixia a economia do país. As crítica vão além de Lula e Haddad. Também partiu da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), economistas e trabalhadores.
Até mesmo um evento realizado pelo grupo Lide – do ex-governador de São Paulo João Doria –, que reuniu empresários do varejo, foi palco de clamores contra os juros altos no Brasil. As críticas mais contundentes partiram da presidenta do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano.
“Podemos deixar o juro do jeito que está? Está tendo consumo? Não. Nós temos que nos unir para baixar o juro”, disse ela. “Um país como o nosso só tem duas coisas a fazer: dar renda e crédito. Agora, com um juro que não baixou, não vai ter crédito para ninguém”, alertou
Representando os trabalhadores, as centrais sindicais também criticaram a decisão do Copom. A CUT, por exemplo, atacou a ausência de sintonia do BC com o esforço de retomada do crescimento por parte do governo Lula. “A decisão também revela o quanto é ruim para o país um Banco Central, que se declara autônomo, mas se encontra nas mãos de rentistas, especialmente quando têm compromissos com forças políticas contrárias ao povo e ao governo federal.”
Ex-diretor do BC diz que postura do BC prejudica o trabalho de Haddad
Em entrevista ao site UOL, o economista Tony Volpon, que foi diretor do BC entre 2015 e 2016, disse que a autoridade monetária poderia chegar a um meio-termo, pois a decisão cria um impasse na relação com o governo e prejudica Haddad, que está tentando fazer um bom trabalho.
“Essa postura prejudica muito o ministro Fernando Haddad, que está querendo criar um ambiente colaborativo com o BC para se blindar de fogo amigo”, disse. “Mas parece que o BC não quer jogar junto. Haddad tentar manter harmonia mas não tem reciprocidade. (…) “É preciso dar voto de confiança no que Haddad está tentando fazer, nem se trata de achar que ele vá ter sucesso ou não”, salientou.
Na opinião dele, o BC “tem que explicar claramente quais são as condições para baixar os juros. Não pode ficar em uma torre de marfim, autonomia não é independência”, pontuou. E comparou a postura de Roberto Campos Neto com Jerome Powell, presidente do Fed (Federal Reserve) dos EUA. “O Federal Reserve tem autonomia desde a fundação, mas o Jerome Powell fica o tempo todo se explicando para a sociedade”.
Para o ex-diretor do BC, a expectativa de inflação não está baseada no andamento da economia real e sim nos medos na mudança de regime e descontrole fiscal futuro, o que são meras possibilidades e não algo verdadeiro.
Redação ICL Economia
Com informações da Rede Brasil Atual, Brasil 247, Money Times e UOL