Artigo: O agro não é pop

Agronegócio não alimenta a população brasileira e ocupa a maior parte do espaço plantado no país para vender seus produtos para fora
15 de maio de 2023

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

Na última semana foram divulgadas as novas projeções sobre a safra de grãos brasileira para o ano de 2023. Mais uma vez é esperada uma colheita recorde, o que significa um bom resultado da agropecuária no PIB brasileiro e também uma lucratividade recorde para os donos do agronegócio brasileiro. Mas de fato, o que isso se reflete de bom na vida do brasileiro? Teremos uma maior oferta de alimentos? O preço dos alimentos vai cair? Quais os ganhos que a classe trabalhadora vai ter disso?

Na verdade, nenhum. Pois temos uma estrutura agropecuária voltada para um único objetivo, a exportação. Então, cada vez temos uma concentração maior da produção de somente alguns bens em detrimento dos grãos que servem para alimentar o povo brasileiro. A nossa safra de grãos serve somente para alimentar a população de fora do país, e em muitos dos casos nem isso, pois boa parte da soja colhida aqui dentro serve para alimentar os rebanhos animais chineses, ou seja, gastamos água e recursos para fornecer alimento barato para animais criados fora do país.

O resultado mostrado no último levantamento do IBGE mostra que o plantio de 3 grãos ocupa quase 75% de toda a área plantada no Brasil, a soja, o milho e o trigo. Esta última começou a ser plantada a pouco tempo e já superou o plantio de arroz e feijão. E essas três culturas agrícolas estão voltadas quase que exclusivamente para a exportação brasileira, com pouco disso sendo vendido internamente. No caso do arroz e feijão, esses estão perdendo cada vez mais espaço no país, correspondendo juntos a 3% do total plantado. Se imaginarmos que outra cultura com grande relevância é a de cana-de-açúcar, que tem 10% da área plantada e serve para produzir etanol na maior parte dos casos, temos 85% da área plantada no país, muito pouco para a alimentação interna.

E quem produz para nossa alimentação? Não é o grande produtor, que está pensando no lucro e busca apenas vender sua mercadoria no exterior, mas sim o pequeno produtor, que planta próximo das capitais as hortaliças que consumimos no nosso dia-a-dia, o tomate, a cebola e a cenoura que fazem parte da nossa salada, o arroz e o feijão que fazem parte do nosso prato todo dia. Então, diferente do que se vende em todos os cantos, não é o agro que alimenta o brasileiro, mas sim a pequena agricultura familiar.

E quem ajuda essas pessoas? Instituições como o MST, que lutam pela reforma agrária e trazem alimentos saudáveis, orgânicos e sem agrotóxicos para nossa mesa. É essa instituição que estão agora tentando criminalizar, inclusive buscando tratar eles como terroristas, quando seu maior crime é tentar lutar por uma vida mais digna para o trabalhador do campo no Brasil.

Se o agro realmente fosse o grande alimentador da população brasileira, teríamos uma inflação de alimentos baixa nos últimos anos, pois tivemos recorde no ano passado e um novo recorde é esperado, mas o que vemos é que, esse mês, mesmo com uma alta da projeção de alimentos, aumentou o preço destes bens. E a razão? Situações climáticas pontuais que afetam as pequenas produções, não as grandes lavouras que servem para colheita em grande quantidade para serem vendidas lá fora. Com agrotóxico suficiente para que pragas e o clima pouco afetem a produção.

Essa é a situação do agro brasileiro, que de pop não tem nada. Não alimenta a população brasileira e ocupa a maior parte do espaço plantado no país para vender seus produtos para fora. Ajuda a melhorar o PIB, mas tem pouco efeito de fato sobre a vida do trabalhador brasileiro. Quem alimenta o povo são outras pessoas, ligadas à agricultura familiar, aos pequenos produtores e a entidades como o MST. Mas esses são criminalizados, enquanto o agronegócio é vendido como pop, sendo que na verdade, de pop eles não têm nada.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

 

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