O rombo nas contas das Lojas Americanas, revelado em janeiro deste ano, é uma fraude. A varejista assumiu pela primeira vez que um dos maiores escândalos corporativos da história do país não era meramente fruto de “inconsistências contábeis” no valor de R$ 20 bilhões, mas resultado de gestão fraudulenta. A expectativa é de que o rombo seja, na verdade, de mais de R$ 40 bilhões.
Na última segunda-feira (12), foi entregue ao conselho de administração da rede varejista o relatório elaborado por assessores jurídicos que acompanham a Americanas desde que ela entrou em recuperação judicial na Justiça do Rio de Janeiro, em janeiro.
Baseado em documentos do comitê de investigação independente, criado no fim de janeiro, o relatório aponta que demonstrações financeiras da varejista vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da empresa. Ontem (13), a companhia emitiu um fato relevante sobre o relatório.
A Americanas afirmou que a fraude ocorria na suposta contratação de bônus na indústria. Trata-se de uma prática comum no varejo, quando fabricantes dão descontos para grandes encomendas. O relatório apontou esse processo como “contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC)”. Ou seja, o nome do fabricante aparecia em campanhas da Americanas, que, em troca, recebia um desconto na compra dos produtos.
Porém, os descontos não ocorreram de fato. As negociações, supostamente vantajosas, eram usadas como artifício para a varejista melhorar o seu balanço.
Em contrapartida, a diretoria contratava empréstimos para cumprir o pagamento aos fornecedores sem o conhecimento do conselho de administração. Esse artifício fez com que a empresa aumentasse o seu passivo, que era irregularmente contabilizado, segundo o documento.
Trecho do relatório diz que “esses lançamentos [de VPC], feitos durante um significativo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022”.
Relatório das Lojas Americanas culpa ex-diretores por fraude e exime trio de bilionários
A Americanas culpou a diretoria anterior pela fraude e citou o envolvimento do ex-CEO Miguel Gutierrez, que comandou a empresa por duas décadas até o fim do ano passado, e de outros ex-diretores, como Sérgio Rial, sucessor de Gutierrez e que fez a denúncia das inconsistências contábeis em janeiro; Anna Christina Ramos Saicali e José Timótheo de Barros.
Além de Gutierrez e dos denunciantes, a Americanas afirma que participaram da fraude o ex-diretor Márcio Cruz Meirelles e os executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
Reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico diz que o mercado estranhou o fato de o relatório “que blinda o board” da empresa ter vindo dos advogados contratados por ela e não pelo comitê independente formado, embora este ainda vá apresentar seu relatório de investigação nos próximos meses.
Os maiores acionistas da Americanas são o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, donos da 3G Capital
Ainda segundo a reportagem, “outro ponto que chamou a atenção dos investidores mais atentos no recorte de narrativa feito pela Americanas é que a companhia de certa forma modifica a explicação para o rombo, em relação ao que tinha reportado no primeiro fato relevante sobre o tema, em janeiro, e também não faz distinção entre empresas – calcula a fraude no balanço consolidado, enquanto as empresas física e on-line operavam separadas até 2021, sem apontar a origem exata da fraude em cada operação”.
Outro aspecto apontado pela reportagem é que Miguel Gutierrez teria feito ao menos três solicitações para ser ouvido no processo de apuração, mas teria sido informado pelo comitê que ainda não era hora de ouvi-lo e seria chamado em momento oportuno.
De acordo com a Americanas, os ajustes contábeis definitivos estarão refletidos nos demonstrativos financeiros históricos auditados que serão reapresentados assim que os trabalhos estiverem concluídos.
Conforme o fato relevante, o conselho de administração orientou a companhia e os assessores a apresentarem o relatório a todas as autoridades competentes e avaliarem as medidas necessárias para ressarcir os danos causados pela fraude.
Relatório sai no mesmo dia de depoimento de presidente da empresa à CPI da Americanas
As revelações do relatório aconteceram no mesmo dia em que o atual presidente da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, prestou depoimento, na tarde de ontem, na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da varejista, instalada em Brasília.
Para deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), o fato não é mera coincidência. “É uma tentativa de desviar as responsabilidades do trio controlador da Americanas quando essa fraude foi cometida”, diz ele, que é membro titular da CPI da Americanas. Para ele, o reconhecimento da fraude é “chover no molhado, todo mundo já sabia disso”. “O que este fato relevante está dizendo é que Lemann, Sicupira e Telles não tinham conhecimento da fraude”, complementou.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias